sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Eu li... Super Crentes - Paulo Romeiro

Super Crentes: O Evangelho Segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os Profetas da Prosperidade
Paulo Romeiro


Paulo Romeiro é mestre em Teologia pelo Gordon-Conwell Theological Seminary (Boston, EUA) e Doutor em Ciências da Religião pela Metodista de São Paulo. Neste livro, lançado há 10 anos atrás, Romeiro faz uma breve análise e crítica da doutrina da "confissão positiva" ou "teologia da prosperidade". O autor começa traçando as raízes desse movimento até as religiões orientais, Nova Era e Ciência Cristã. Segundo a análise do autor, Kenneth Hagin, que é chamado de "papai" entre os teólogos da prosperidade, na verdade não seria exatamente o pai de tal teologia, mas sim teria bebido Essek William Kenyon que por sua vez foi muito influenciado por Charles Emerson que era um verdadeiro "colecionador" de religiões, sendo influenciado pelo congregacionalismo, universalismo, Nova Era e a Ciência Cristã. É claro que dessa misturada toda não pode sair coisa boa, mas foi daí que Hagin bebeu e se tornou o "pai" de muitos.

A doutrina da confissão positiva ensina que devemos proferir com nossa boca aquilo que queremos trazer à existência. Pela fé, o que falamos deve se tornar realidade. Tal doutrina prega que o crente não só deve ter a saúde em perfeito estado, mas também deve usufruir de grandes riquezas materiais nessa terra. Hagin chega ao ponto de dizer que devemos exigir de Deus as melhores roupas, os melhores carros, o melhor de tudo, pois tudo isso seria um direito do crente. O triunfalismo é tão presente no meio dessa bagunça toda que muitos chegam a afirmar que nós, crentes, somos deuses e usufruímos da mesma natureza de Deus (Hagin, Valnice Milhomens, Miguel Ângelo, Benny Hinn, Marilyn Hickey, R.R. Soares...). Como se não bastasse, o "pai" Hagin afirma que Jesus ao morrer assumiu a natureza de Satanás, o que é uma extrapolação de qualquer interpretação minimamente plausível da Bíblia. Esse povo cria doutrinas heréticas super-enfatizando passanges obscuras e distorcidas da Bíblia. Esquecem dos inúmeros sofrimentos que passaram os grandes homens da Bíblia. Lembram-se de homens como Abraão, Davi e Salomão que não só foram mas também tiveram, mas esquecem do final de Hebreus 11 onde o autor relata aqueles que foram, mas nada tiveram e ainda assim foram considerados indignos deste mundo. Certamente, é melhor para o Corpo de Cristo que os ensinos dessas pessoas passem bem longe de nossas igrejas, eles podem até ser cristãos sinceros, mas além de propagarem ensinamentos heréticos, causam muita dor e sofrimento ao povo de Deus devido às promessas não cumpridas e milagres que nunca acontecem.

Um ponto importante à ser destacado é o fato de que todas as críticas de Paulo Romeiro são às idéias de tais pessoas e jamais dirigidas à pessoas especificas, pelo contrário, Romeiro reconhece que muitos dessas pessoas são cristãos sinceros e, portanto, ele evita qualquer confronto com pessoas, combatendo apenas idéias. Isso é uma característica incomum no meio de pessoas que, assim como Romeiro, criticam os modismos evangélicos, mas que parecem mais interessadas em destruir o trabalho alheio do que em exortá-los para o bem e a unidade do Corpo de Cristo.

Um exemplo de pensamento dos líderes evangélicos de hoje é esse aí:

"Usar a frase 'se for da Tua vontade' em oração pode parecer espiritual, e demonstrar atitude piedosa de quem é submisso à vontade do Senhor, mas além de não adiantar nada, destrói a própria oração" R.R. Soares.

Esse é o pensamento daqueles que estão à frente dos evangélicos brasileiros, não é difícil descobrir porque a Igreja se encontra no presente estado.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O Sistema de Salvação Cristão

A Cruz: A Única Esperança da Humanidade


Escrevi esse texto após a leitura de O Evangelho Maltrapilho do badalado Brennan Manning. Ricardo Gondim e Ed René Kivitz colocam esse livro como bibliografia essencial para um bom cristão. Philip Yancey cita Manning como o escritor cristão mais profundo da atualidade. De fato, é um bom livro, embora eu creia que profundo mesmo é Philip Yancey, quem ainda não leu O Jesus Que Eu Nunca Conheci deve fazê-lo imediatamente. Apesar do livro do Yancey não ser explicitamente sobre o amor e agraça de Deus, como o do Manning, falar de Jesus é o mesmo que falar de amor e graça, é como se fossem sinônimos. Depois da leitura me inspirei a escrever algo sobre o meio de salvação do cristianismo que, teoricamente, é sabido por todos nós cristãos. Acredito que a falta de compreensão do que realmente o cristianismo diz sobre salvação é a causa de muitas confusões, como o acalorado debate que tivemos aqui nesse blog entre pluralismo e exclusivismo. Na minha opinião, todo homem deve ter a oportunidade de ouvir essa mensagem, nada é mais importante do que o que segue nesse texto, não pelas minhas palavras, evidentemente, que não conseguem expressar toda a grandeza de tal assunto, mas pela importância do próprio assunto.


Nada causa mais confusão e escândalo no Cristianismo do que a doutrina da graça e ainda assim nada é mais importante do que isso. Quando falamos de vida cristã dois erros são comuns. O legalismo exacerbado ou, com o mesmo exagero, o liberalismo no outro extremo. As pessoas costumam se colocar entre um ou outro extremo. Ou não pode nada ou "libera geral'. É verdade que a lei não justifica ninguém, mas não é verdade que podemos ignorar qualquer mandamento em nome da graça. A graça salva aqueles que pecam sim, mas não salva aqueles que pecam e não estão nem ai para isso. Devemos evitar tanto o universalismo quanto o particularismo sectário e, o que é raro no meio desse povo da "graça" que adora tacar pedra na Igreja, e devemos ter cautela dobrada para não permitir que nossas perturbações emocionais e amarguras causadas por uma determinada Igreja ou religião influencie esse assunto. Me parece que alguns criticos da religião evangélicas estão mais preocupados em destruir o trabalho dos outros do que exortar em amor. Voltando ao assunto da graça, não devemos ignorar o pecado por vivemos na graça, não devemos aceitar comportamentos pecaminosos como conduta moralmente correta e saudável (vide cristãos da "graça" que apoiam e aceitam comportamentos claramente anti-biblícos). Usemos a graça para amar e abraçar aqueles que pecam, afinal, que atire a primeira pedra quem jamais pecou... Mas não podemos fazer uso da "graça" para abraçar de forma conivente aqueles que pecam e dizermos "É isso ai, continue assim, Deus te ama e o criou assim e é assim que você deve ficar". Jesus não disse apenas "vá", Ele continuou e disse: "... e não peques mais" (Jo 8). O perdão foi possível pois a mulher já tinha consciência do seu crime perante a Lei. A graça não salva aqueles que tentam se justificar na Lei, mas também não salva aqueles que se recusam a enxergar a realidade de Lei e reconhecer que a infringiram. A graça salva somente pecadores conscientes de seu pecado. Não salva qualquer um, até porque Deus não coage ninguém.

Mas esse Evangelho da graça não pode ser compreendido sem ter Cristo como seu centro. Alguns pontos que eu acredito serem de suma importância têm que ser compreendidos.

(1) O Deus do Novo Testamento continua odiando e se irando contra o pecado. Afinal, Ele é justo e, portanto, Deus se ira e odeia sim, por mais fora de moda que seja falar isso.

(2) A Lei continua ativa (Mt 5.17) , nos culpando e nos condenando ao inferno (por mais fora de moda que esteja o inferno) (Rm 3.19, Rm 6.23).

Nada dessas coisas mudaram do Antigo para o Novo Testamento, o que mudou foi a inclusão de uma peça fundamental para se compreender o Amor de Deus - Jesus, o Cristo. Ele, O Cristo, não aboliu a Lei, mas sim a cumpriu (Mt 5.17). Lembra do ódio e da ira de Deus, da culpa e da condenação? Pois é, Cristo saciou tudo isso. Todas as exigências da Justa Lei de Deus. Então todo o ódio e a ira de Deus contra o nosso pecado de ontem, hoje e amanhã; foi, é e será desviado para Cristo. E é essa a Boa-Nova. Aqueles que pecam podem ser salvos. E por isso, Deus não nos vê mais como pecadores, imperfeitos, injustos, impuros (apesar de ainda sermos até o fim de nossas vidas), agora Ele nos vê como santos em Cristo, perfeitos em Cristo, justos em Cristo, puros em Cristo. Ele vê Cristo em nós, criaturas pecadoras. Todo o ódio de Deus que justamente merecemos é desviado para o calvário e isso nos permite acesso a outra face desse Deus justo, a face do Amor. Portanto, sem Cristo continuamos perdidos, mas n'Ele cumprimos todas as exigências de Deus e aquela merecida condenação já não mais existe para quem está em Cristo (Rm 8.1). N'Ele e somente n'Ele.

Portanto, é claro como a água que sem Lei jamais compreendemos o amor de Deus. O perdão à mulher adúltera só foi possível porque ela já tinha consciência do seu crime perante a Lei do Justo Juiz, caso contrário, ela precisaria, antes, ser acusada. A realidade e impiedade da Lei jamais podem ser subenfatizadas na pregação. Spurgeon dizia que devemos pregar 90% Lei e 10% graça. Sem Lei não há a menor necessidade de Cristo. Afinal, se não há condenação, Cristo nos salvou do quê? Temos que alertar às pessoas da condenação da Lei. Diferente do que comumente é crido, o sistema de salvação cristão não é diferente do sistema de salvação de outras religiões que dizem que temos que ser bons para sermos salvos. Temos sim que ser bons para sermos salvos, a Lei mostra isso. É ai que está a grande revelação de Deus em todas as culturas e religiões. Todas elas exigem cumprimento de regras para que se alcance a salvação, até o ateu tem seu próprio código de conduta contra o qual ele "peca" frequentemente. A diferença é que o sistema de salvação cristão reconheceu que tal feito é simplesmente impossível e, por isso, Deus resolveu esse problema saciando sua própria justiça n'Ele mesmo. Toda Lei, de qualquer religião que for, revela que é impossível para o homem satisfazer todas suas exigências. Sem Cristo, todo esse papo de amor de Deus é mentira e somos os mais perdidos dos homens pois, como dizem todas as religiões, temos que ser bons para sermos salvos. Mas a perfeição da Lei nos deixa impossibilitados disso (vide Mt 5.48). Com isso em mente, quando alguém sente culpa por achar que não pode satisfazer as exigências de Deus, tal culpa é real, boa e verdadeira, não é neurose, mas sim sinal de saúde espiritual. Aliviar tal culpa dizendo simplesmente que Deus é amor e não exige nada dela é heresia, mentira e só serve para recalcar o sintoma de culpa. O que essa pessoa precisa é conhecer àquele que levou toda sua culpa e saciou todas as exigências - Cristo. N'Ele a culpa vai embora. O que Deus exige é, realmente, um fardo impossível de se carregar, pois Ele é perfeitamente justo. Mas Ele próprio descobriu um meio de solucionar esse dilema. Em Cristo sim, o fardo se torna leve!

Somente com a consciência viva da nossa injustiça, da nossa culpa perante Deus, e da nossa condenação é que podemos seguir ao segundo passo, conhecer o caminho de Cristo que saciou tudo aquilo que era exigido de nós. N'Ele sim, nós pecadores justamente condenados, somos santos justamente salvos. Cristo é nossa justiça. N'Ele, cujo fardo é leve, podemos embarcar na verdadeira jornada de crescimento moral e espiritual que durará até o fim de nossas vidas. Como disse C.S.Lewis, nós caimos num buraco e somente alguém fora do buraco pode nos salvar - só o Deus-Homem, Jesus Cristo. Para aqueles que acham que ser salvo pelos méritos de outrem é injusto cabe a tarefa de desenvolver um meio mais apropriado e, boa sorte na tentativa. Eu prefiro confiar em Cristo, já para aqueles que são fortes o suficiente poderão escolher pagar por si mesmos o preço do seu pecado sem a necessidade de recorrer à Cristo, é isso mesmo. Pregando no Leadership Summit de 2006, Bill Hybels disse que quando chegarmos no céu será feita apenas uma pergunta para nós:

Quem pagará pelo seu pecado?


Aqueles que aceitaram a Cristo em vida poderão responder que não conseguiram, mas que Cristo pagou por eles. Já para aqueles que não aceitaram, se recusaram a se submeter ao senhorio de Cristo e resolveram pagar pelos próprios pecados, à estes foi destinado um lugar especial em que poderão pagar por todos os seus pecados, cada um deles, por si mesmo e sem Cristo. A minha escolha já foi feita.

N'Ele em quem toda justiça foi satisfeita
Vitor Grando

Adaptado de: http://despertaibereanos.blogspot.com/2008/07/eu-li-o-evangelho-maltrapilho-brennan.html

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Argumento Evolucionista Contra o Naturalismo - Alvin Plantinga


Alvin Plantinga é o maior filósofo cristão da atualidade. Formado no Calvin College e professor da Universidade de Notre Dame. Seus trabalhos são fundamentais para o estudo da Filosofia da Religião. Esse artigo, na verdade, é um esboço de uma preleção dele na BIOLA University onde ele mostra que a incompatibilidade do evolucionismo não é com o teísmo mas sim com o naturalismo (a crença de que tudo que existe é o mundo natural, é uma espécie de ateísmo extremado), já que o propósito da seleção natural é produzir sobrevivência e não crenças verdadeiras, portanto, no contexto naturalista não temos a menor garantia de que nossas crenças correspondam à realidade. Para uma prévia mais simples e menos filosoficamente sofisticada do argumento veja o artigo Evolução e Naturalismo: Por que eles são como óleo e água do blog Apologia.

Lembrem-se do nosso sorteio do livro God, Freedom & Evil, do próprio Plantinga.


O Argumento Evolucionista Contra o Naturalismo

Alvin Plantinga

Tradução: Vitor Grando
vitor.grnd@gmail.com
DespertaiBereanos.blogspot.com


A. O PROBLEMA

Teísmo: Nós seres humanos fomos criados por um ser totalmente bom, onipotente e onisciente; um ser que tem conhecimento, propósitos e intenções e age de modo que venha a alcançá-los. Deus e criação.

Naturalismo: A descrição teísta excluindo Deus. Carl Sagan, Stephen Jay Gould, David
Armstrong, Darwin, John Dewey, Bertrand Russell.

Faculdades cognitivas: os poderes ou faculdades de capacidades através das quais nós adquirimos conhecimento ou formamos uma crença: memória, percepção, razão, talvez outros.

Teísmo e a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas:

Tómas de Aquino:
Já que os seres humanos foram criados à imagem de Deus, em virtude de terem uma natureza que inclui um intelecto, tal natureza é à imagem de Deus em virtude de ter alguma capacidade de imitar à Deus (ST Ia q. 93 a. 4);

E,

Somente em criaturas racionas encontramos uma semelhança de Deus que conta como uma imagem...
Pensando sobre a semelhança da natureza divina, criaturas racionais parecem, de alguma forma, obter uma representação desse tipo de virtude de imitar a Deus não somente no ato de ser e viver, mas especialmente no ato de compreender (ST Ia Q.93 a.6).

A maioria de nós pensamos (ou pensaríamos se fossemos refletir) que pelo menos uma função ou propósito de nossas faculdades cognitivas é nos prover crenças verdadeiras. Mais do que isso, vamos além e pensamos que quando elas funcionam apropriadamente, de acordo com a maneira que fomos projetados, então na maioria das vezes elas fazem exatamente isso.

Faculdades muito mais adaptadas para alcançar a verdade em algumas áreas do que outras; aritmética elementar e lógica, e a percepção de objetos de tamanho médio em condições comuns. Lembrando alguns tipos de coisas:

As coisas ficam mais difíceis, entretanto, quando o assunto é uma reconstrução precisa do que seria ser, por exemplo, um grego do quinto século antes de Cristo (para não mencionar ser um morcego). E trabalhando no limite dos nossos poderes: cosmologia contemporânea, por exemplo. Mas não há um problema, aqui, para o naturalista? Em qualquer nível para o naturalista que pensa que nós e nossas faculdades cognitivas chegaram até aqui após bilhões de anos de evolução (por seleção natural, mutações genéticas, e outros processos cegos trabalhando em fontes de variação genética tais como mutação genética randômica)?

Richard Dawkins (de acordo com Peter Medawar, "um dos mais brilhantes da recente geração de biólogos") uma vez confessou e afirmou para A.J. Ayer em um daqueles elegantes, a luz de velas e beberrões jantares dos acadêmicos de Oxford que ele não poderia imaginar ser ateu antes de 1859 (o ano em que foi publicado A Origem das Espécies de Darwin); "... embora o ateísmo pudesse ser sustentável antes de Darwin", ele disse, "Darwin tornou possível ser um ateu intelectualmente completo." O Relojoeiro Cego Dawkins continua:

Contra todas as aparências contrárias, o único relojoeiro na natureza são as forças cegas da física, ainda que organizadas de uma maneira muito especial. Um verdadeiro relojoeiro tem presciência: ele desenha as engrenagens, as molas, e planeja suas interconexões, com um propósito futuro em mente. A seleção natural, o processo cego e inconsciente que Darwin descobriu, e o qual nós agora sabemos que é a explicação para a existência e o propósito aparente de toda a forma de vida, não tem propósito algum. Se há um relojoeiro, certamente é um relojoeiro cego.

Agora, Dawkins acha que Darwin tornou possível se tornar um ateu intelectualmente satisfeto. Mas talvez Dawkins esteja completamente errado aqui. Talvez a verdade esteja na direção oposta. O propósito último da evolução é sobrevivência e não a produção de crenças verdadeiras.

Patricia Churchland:

Essencialmente, um sistema nervoso permite ao organismo funcionar nos quatro F's: alimentação (feeding), fuga (fleeing), luta (fighting), e reprodução. A principal incumbência dos sistemas nervosos é ajustar as partes do corpo onde elas devem estar para que o organismo sobreviva... Avanços no controle sensório-motor conferiu uma vantagem evolutiva: um exorbitante estilo de representação é vantajosa apenas quando é dirigida à forma de vida do organismo e aumenta as chances de sobrevivência (Ênfase da autora). A verdade, seja lá o que ela for, fica por último.

W. v. O. Quine e Karl Popper, Popper: Visto termos evoluídos e sobrevividos, nós podemos estar bastante certos de que nossas hipóteses e conjeturas em relação a como o mundo realmente é são em sua maioria corretas. Como diz Quine, ele encontra encorajamento em Darwin:

Há algum encorajamento em Darwin. Se o espaçamento inato de qualidade é um traço ligado geneticamente, então o espaçamento que fez as induções mais bem sucedidas teve a tendência de predominar através da seleção natural. As criaturas equivocadas em suas induções tem uma patética, mas louvável tendência de morrer antes de reproduzir sua espécie.

Quine encontra ainda mais encorajamento em Darwin do que o próprio Darwin:

"Uma terrível dúvida sempre surge em mim, qual seja, se as convicções da mente do homem, que se desenvolveram a partir da mente de animais inferiores, são de algum valor ou confiáveis. Qualquer um confiaria nas convicções da mente de um macaco, se é que há quaisquer convicções em tal mente?"

Quine e Popper por um lado e Darwin e Churchland de outro. Quem está certo?
Mas será que podemos estreitar a pergunta? Sobre o que, precisamente, fala o argumento? Darwin e Churchland pareciam acreditar que a evolução (naturalista) é uma razão para duvidar de que nossas faculdades cognitivas são confiáveis (produzindo crenças verdadeiras em sua maioria): Chame isso de "A Dúvida de Darwin". Quine e Popper, por outro lado, aparentemente pensavam que a evolução nos dá uma razão para crer que nossas faculdades cognitivas de fato produzem crenças verdadeiras ou verossímeis na maior parte das vezes. Como devermos entender essa briga?

B. A DÚVIDA DE DARWIN

Uma possibilidade: talvez Darwin e Churchland queriam propor que uma certa probabilidade condicional é baixa: a probabilidade das faculdades cognitivas humanas serem "confiáveis, visto que as faculdades cognitivas humanas foram produzidas pela evolução (A evolução cega de Dawkins, não dirigida por Deus ou qualquer outra pessoa). Se a evolução (naturalista) é verdadeira, então nossas faculdades cognitivas são resultado de mecanismos cegos como a seleção natural, trabalhando em fontes de variação genética tais como mutação genética randômica. E o propósito último ou função (a 'incumbência' de Churchland) de nossas faculdades cognitivas, se de fato tiverem um propósito ou função, este é a sobrevivência - do indivíduo, espécie, gene, ou genótipo. Mas então é improvável que elas tenham a produção de crenças verdadeiras como função. Então a probabilidade de nossas faculdades serem confiáveis, dada a evolução naturalista, seria muito baixa. Popper e Quine, por outro lado, pensam que probabilidade é bastante alta.

P(R/N&E)

N é naturalismo metafísico. (Crucial para o naturalismo metafísico, é claro, é a visão de que não há nenhuma pessoa como o Deus do teísmo tradicional). E: faculdades cognitivas humanas surgiram pela evolução (como concebida pela ciência evolucionista contemporânea). R: a alegação de que nossas faculdades cognitivas são confiáveis. E a pergunta é: Qual é a propabilidade de R, visto N&E? Darwin e Churchland propuseram que essa probabilidade seria relativamente baixa. Enquanto Quine e Popper pensaram que é bastante alta.

1. DESENVOLVENDO A DÚVIDA.

Vamos supor que pensássemos, primeiro, não sobre nós mesmos e nossos ancestrais, mas sobre uma população hipotética de criaturas um tanto parecidas conosco num planeta similar a Terra. (Darwin propôs que pensássemos sobre uma outra espécie, como macacos.) Vamos supor que essas criaturas tenham faculdades cognitivas, tenham crenças, mudem de crenças, façam inferências, e por ai vai; e suponha que essas criaturas tenham surgido por processos de seleção endossados pelo pensamento evolutivo contemporâneo. Qual é a probabilidade de as crenças deles serem confiáveis? O que é P(R/N&E), especificado, não para nós, mas para eles? De acordo com Quine e Popper, bem alta: crença é conectada com ação de tal forma que as crenças falsas levariam a comportamentos não adaptados, o que é provável que os ancestrais desses criaturas tenham apresentado essa patética mas louvável tendencia que Quine menciona.

Mas: primeiro, talvez seja provável que o comportamento deles seja (ou tenha sido) adaptativo; mas nada segue daí em relação as suas crenças. Tudo depende de como o comportamento deles está relacionado com suas crenças.

(a) Talvez as crenças deles não eram a causa do comportamento (Epifenomenalismo: T.H. Huxley). Se for assim, então elas seriam invisíveis à evolução; e então o fato de que elas surgiram durante a história evolutiva desses seres não conferiria nenhuma probabilidade da maioria das crenças serem verdadeiras, ou quase todas quase verdadeiras, ao invés de amplamente falsas. De fato, a probabilidade de elas serem verdadeiras em sua maioria teria que ser estimada como muito baixa; a probabilidade de que um conjunto amplo de proposições escolhidos pelo acaso conter muito mais crenças verdadeiras do que falsas é baixo. (Poderia ser que uma dessas criaturas acredite que está no elegante jantar de Oxford, quando de fato ele está nadando num pântano primitivo, lutando desesperadamente contra crocodilos famintos.) J.M. Smith: "Poucos anos atrás, ele escreveu que nunca tinha entendido porque organismos tinham sentimentos. Biólogos ortodoxos acreditam que o comportamento, embora seja complexo, é governado puramente por bioquímica e que as sensações criadas - medo, dor, admiração, amor - são apenas sombras dessa bioquímica, não vitais para o comportamento do organismo...
Time De. '92

(b) crenças, de fato, causam comportamento, mas simplesmente em virtude de suas propriedades eletro-químicas, não por virtude de seu conteúdo. Essa possibilidade é dita como sendo a "opinião recebida" por Rob Cummins (Representação Mental e de Sentido); se você aceitar o materialismo da mente, é difícil ver uma alternativa.

(c) uma terceira possibilidade: poderia ser que a crença cause o comportamento pelo conteúdo, mas seja inadequada à adaptação. Novamente, possibilidade baixa.

(d) as crenças de nossas criaturas hipotéticas causam seu comportamento e também adaptativo. Probabilidade (dessa possibilidade junto com N&E) de que suas faculdades cognitivas são confiáveis?

Não tão alta quanto você pode imaginar. Crenças geralmente não produzem comportamento por si mesmas; são crenças, desejos, e outros fatores que juntos levam ao comportamento. Então o problema é que claramente haveriam um número de padrões diferentes de crença e desejo que iriam resultar na mesma ação; junto com esses haveriam muitos nos quais essas crenças são amplamente falsas. Paulo é um hominídeo pré-histórico; as exigências de sobrevivência exigem dele um comportamento que evite a aproximação de tigres. Haverão muitos comportamentos que são apropriados: fugir,por exemplo, ou escalar uma rocha íngreme, ou pular num buraco pequeno demais para que o tigre entre, ou pular num lago. Pegue qualquer um desses comportamentos apropriados B. Paulo se engaja em B, nós pensamos, por ser um cara sensível ele tem aversão a ser comido e acredita que B é uma forma apropriada de frustrar as intenções do tigre.

Mas claramente esse comportamento de escape poderia resultar de milhares de outras combinações crença-desejo: indefinidamente muitos outros sistemas crença-desejo se encaixam perfeitamente em B da mesma forma. Talvez Paulo goste muito da idéia de ser comido, mas quando vê um tigre, ele sempre se desloca para um lugar melhor, pois ele acha que é improvável que o tigre que ele vê vá comê-lo. Isso colocará as partes do corpo nos lugares certos em relação a sobrevivência, sem envolver muito a crença. Ou talvez ele ache que o tigre é um gatinho grande, fofo e amistoso e queira brincar com ele; mas ele também crê que a melhor maneira de brincar com ele é correr do tigre. Ou talvez ele confunda correr em direção ao tigre com correr para longe do tigre, crendo que a ação de correr do tigre, seja na verdade, correr em direção ao tigre; ou talvez ele ache que o tigre seja uma ilusão recorrente, e com a intenção de manter a forma, resolve correr uma milha sempre que se depara com tal ilusão; ou talvez ele ache que está prestes a começar uma corrida de 1600 metros e quer vencer, e crê que a aparição do tigre seja o sinal para começar a prova; ou talvez...

Certamente existem um sem-número de sistemas crença-desejo que igualmente se encaixem em um determinado comportamento. Tentando combinar essas probabilidades numa forma apropriada, então, seria razoável supor que a probabilidade de R, do sistema cognitivo dessas criaturas ser confiável, é relativamente baixa, algo menos do que a metade.

Agora voltemos para a dúvida de Darwin. O raciocínio que se aplica a essas criaturas hipotéticas, é claro, também se aplica a nós; então se nós pensarmos que a probabilidade de R em relação à eles é relativamente baixa em N&E, nós deveríamos pensar a mesma coisa sobre a probabilidade de R em relação a nós. Algo similar a esse raciocínio, talvez, seja o que está por trás da dúvida de Darwin. Então deveríamos pensar que P(R/N&E) para nós é bem baixo. E se aceitarmos N&E, isso nós dá um invalidador para nossa crença em R: uma razão para duvidar, para ser agnóstico em relação a isso. Se R é improvável dada a forma que nossas faculdades se desenvolveram, então temos uma razão para rejeitar R.


C. O ARGUMENTO CONTRA O NATURALISMO

1. A DÚVIDA DESENVOLVIDA NOVAMENTE

Claro que o argumento para uma baixa estimativa de P(R/N&E) é meio fraco. Em particular, nossas estimativas de várias probabilidades envolvidas em estimar P(R/N&E) em relação à população hipotética foram fracas. Então talvez o melhor caminho seja simplesmente o agnosticismo: essa probabilidade é inescrutável; nós simplesmente não podemos dizer qual é.

Isso também parece sensato. Qual seria, então, a atitude apropriada em relação a R (especificamente em relação a essa população hipotética)? Alguém que aceite N&E e também acredita que a atitude apropriada em relação à P(R/N&E) seja de agnosticismo, certamente, tem boas razões para ser agnóstico em relação à R também.

Agora, suponha que aplicássemos o mesmo tipo de raciocínio a nós mesmos e a nossa condição. Supomos que pensássemos que N&E seja verdadeiro: nós também evoluímos de acordo com os mecanismos sugeridos pela teoria evolucionista contemporânea, não dirigida e não orquestrada por Deus ou outro alguém. Supomos que nós pensássemos, mais além, que não há nenhuma forma de determinar P(R/N&E) (especificado a nós). Qual seria a atitude apropriada a ser tomada em relação a R? Bem, se nós não tivermos nenhuma informação mais avançada, então a atitude apropriada aqui não seria, assim como em relação a população hipotética, a do agnosticismo, rejeitando a crença? Se essa probabilidade é inescrutável, então nós temos um invalidador para R, assim como no caso onde a probabilidade é baixa.
Então P(R/N&E) é tanto baixo ou inescrutável; e se aceitarmos N&E, então em ambos os casos temos um invalidador para R.

2. ALGUMAS ANALOGIAS

(a) Um crente em Deus vem a crer que tal crença é produzida por satisfação de um desejo (wish fulfillment - freud). Supomos que ele creia que a probabilidade objetiva de que a satisfação de um desejo, como um mecanismo produtor de crenças, seja confiável: baixa ou inescrutável: tal que nós não podemos dizer. Em ambos os casos ele tem um invalidador para qualquer crença que venha a ser produzida pelo mecanismo em questão. Razão para rejeitá-lo, para não afirmá-lo, para negá-lo.

(b) as coisas no plano da sessão: o segundo de tipo de coisa: aqui ele não vem a crer que a probabilidade da coisa ser vermelha, visto que parece vermelho, é baixa. De fato, ele é agnóstico em relação a probabilidade.

(c) você vem a crer que foi criado por um demônio Cartesiano maléfico que tem prazer em enganar aqueles que ele cria: A maioria das crenças de suas criaturas são falsas.

Então, você tem um invalidador para qualquer crença que tiver. E o mesmo vale quando você pensa que a probabilidade em questão é baixa ou inescrutável.

Agora supomos que nós voltemos para a pessoa convencida de N&E que é agnóstica em relação a P(R/N&E): algo similar vale para ele. Ele está na mesma posição em relação a qualquer crença B sua, como está o crente em Deus acima. Ele está na mesma posição que a pessoa que vem a pensar que foi criada pelo demônio Cartesiano maligno. Então ele também tem um invalidador para B, e uma boa razão para ser agnóstico em relação a isso.

3. O ARGUMENTO

Agora, o argumento de que é irracional crer em N&E: P(R/N&E) é ou baixo ou inescrutável; em ambos os casos (se você aceitar N&E) você tem um invalidador para R, e portanto para qualquer outra crença B que você possa ter; mas B pode ser o próprio N&E; então alguém que aceita N&E tem um invalidador para N&E, uma razão para duvidar ou ser agnóstico em relação a isso. Se ele não tem nenhuma evidência independente, N&E é auto-refutável e, portanto, irracional.

Poderia ele arranjar um invalidador que destruisse esse invaliadador - um invaliador-invalidador? Talvez fazendo alguma ciência, por exemplo, determinando por métodos cientificos que suas faculdades são confiáveis?

Mas é claro, isso teria que pressupor que suas faculdades são confiáveis. Thomas Reid (Essays on the Intellectual Powers of Man):
Se a honestidade de um homem fosse colocada em questão, seria ridículo se referir a própria palavra do homem, sendo ele honesto ou não. O mesmo absurdo existe em tentar provar, por qualquer tipo de raciocínio, provável ou demonstrativo, que nossa razão não é falaciosa, visto que o ponto em questão é exatamente se a nossa razão pode ser confiada. (276)

Esxiste alguma forma sensata de se argumentar em favor de R? Qualquer argumento que for produzido terá premissa; e essas premissas, alega-se, provêem boas razões para crer em R. Mas, é claro, ele tem o mesmo invalidador para cada uma dessas premissas que ele tem para R então essa invalidador não pode ser invalidado.

Nós poderíamos colocar desta forma: qualquer argumento oferecido, para R, é circular ou uma petição de príncipio. A evolução naturalista provê aos seus adeptos uma razão para duvidar de que nossas crenças são em sua maioria verdadeiras; talvez elas estejam na sua maioria erradas; pois a mesma razão para não confiar nossas faculdades cognitivas geralmente, será uma razão para não confiar nas faculdades que produzem crença para o bem de um argumento.

Assim, o devoto de N&E tem um invalidador D para N&E - um invalidador que não pode ser invalidado. Então N&E é auto-refutável, e não pode ser racionalmente aceito.

Alguém que cogita aceitar N, e esta preso, vamos dizer, entre N e o teísmo, racionaria da seguinte forma: Se eu fosse aceitar N, eu teria boas razões para ser agnóstico em relação a N; então eu não deveria aceitar isso. (Um argumento para a irracionalidade de N, não para sua falseabilidade)

O teísta tradicional, por outro lado, não tem nenhuma razão correspondente para duvidar de que é um propósito de nossos sistemas cognitivos a produção de crenças verdadeiras, nem nenhuma razão para pensar que a probabilidade de uma crença ser verdadeira, dada que é uma produção de suas faculdades cognitivas, seja baixa ou inescrutável. Ele pode, de fato, endossar alguma forma de evolução; mas se o fizer, será uma forma de evolução dirigida e orquestrada por Deus. E como teísta tradicional - seja Judeu, Muçulmano, ou Cristão - ele crê que Deus é o conhecedor primário e que nos criou à sua imagem, uma parte importante disso envolve o dom que é necessário para ter conhecimento, assim como Ele tem.

A conclusão que devemos tirar disso, portanto, é que a junção de naturalismo com teoria evolucionista é auto-refutável: provê para si mesma um invalidador-invalidável. É, portanto, inaceitável e irracional.

[Fonte: http://hisdefense.org/articles/ap001.html]

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sorteio* do Livro God, Freedom & Evil - Alvin Plantinga


*Dados do sorteio logo abaixo da resenha

Alvin Plantinga é tido, ao lado de Richard Swinburne, o principal filósofo da religião do mundo e esse texto é clássico e uma de suas obras principais. Definitivamente um texto essencial para os estudantes de Filosofia da Religião. Plantinga segue a tradição da filosofia analítica onde a lógica é o fundamento do conhecimento, o conhecimento deve passar pelo crivo da lógica e é essa a abordagem que Plantinga utilizada para analisar importantes questões sobre a Filosofia da Religião. O livro é dividido em Natural Atheology e Natural Theology.

Na primeira parte, Plantinga analisa algumas das principais objeções à racionalidade da crença em Deus - vale lembrar que o objetivo de Plantinga não é provar a existência de Deus, mas apenas fundamentar racionalmente tal crença. A primeira objeção que ele analisa e que mais detalhadamente o faz é o problema do mal - é racional crer no Deus cristão tendo em vista todo o mal presente no mundo? Plantinga parte do pressuposto de que a onipotência de Deus é geralmente mal compreendida quando analisamos essa questão. Onipotência, segundo ele, não é poder fazer absolutamente tudo, mas sim, poder fazer tudo que é logicamente possível. Por exemplo, Deus não pode criar um círculo quadrado ou fazer um número se tornar presidente do Brasil pois tais coisas são logicamente impossíveis. Com esta pressuposição, ele nos mostra que é logicamente impossível Deus criar um mundo de criaturas livres que não possam livremente optar pelo mal. E com isso o teísmo cristão permanece racionalmente justificado e a principal objeção da Natural Atheology cai por terra. É claro que a breve análise deste blog não é suficientemente ampla para cobrir toda a questão, apenas uma breve síntese do pensamento deste importate pensador da religião.

As outras objeções da Natural Atheology são a teoria Freudiana de projeção, Marx, o verificacionismo entre outras. Estas ele analisa brevemente e não se estende principalmente porquê as duas primeiras só tem valor para a psicologia e sociologia mas não dizem nada sobre a teologia, no máximo diz algo sobre os crentes, mas não tem valor algum quando o assunto é a existência ou inexistência de Deus.

Na segunda parte, Natural Theology, ele examina os principais argumentos a favor da existência de Deus, que são, o argumento cosmológico (na versão de Tomás de Aquino), o argumento teleológico (na versão de Paley) e o argumento ontológico, este último é o que Plantinga analisa mais extensivamente. O Argumento Ontológico, formulado pela primeira vez por Anselmo de Cantuária, é um controverso argumento que tenta deduzir a existência de Deus a partir do próprio conceito de Deus e de outras verdades necessárias. Anselmo afirmava que se uma pessoa pode compreender a noção do maior ser concebível, então, esse Ser deve necessariamente existir, pois, se não existisse não seria o maior Ser concebível. Esse argumento persuadiu pensadores como Duns Scotus, Descartes, Leibniz e Espinosa, já outros, como Schopenhauer taxavam o argumento de "uma piada fascinante". Nos últimos anos, Alvin Plantinga têm sido o maior defensor do argumento. Segundo ele, apesar de soar um tanto quanto falso logo de ínicio, o argumento ainda não foi derrotado por nenhum pensador nem Gaunilo e nem Kant.

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Bem, devido a escassez do meu tempo, fico lhes devendo uma análise um pouco mais detalhada do livro e de seus argumentos. Mas, para quem se interessar por Filosofia da Religião, seja teísta ou ateu, aproveito para anunciar que com o intuito de promover ainda mais a cosmovisão cristã, vamos promover um sorteio de um exemplar deste livro (seminovo) que está sendo comentado aqui:

GOD, FREEDOM & EVIL - ALVIN PLATINGA

Baseado em iniciativas idênticas em outros blogs seculares, vamos iniciar a distribuição de livros (novos e seminovos) que, como já dito, promovem a forma cristã de pensar. Esperamos que esses livros se tornem sementes que desabrochem em futuros apologistas e acadêmicos cristãos e que também promovam a divulgação do nosso "trabalho" virtual. Assim como acontece em outras iniciativas semelhantes, esperamos contar com a ajuda de todos que compartilham dos mesmos valores e que contribuam com doação de livros que promovam tal visão. Contamos com a unidade de todos que compartilham destes valores para que possamos fazer algo de útil e prático na promoção dos valores de Deus neste mundo. Vamos à nossa brincadeira!

Quem se interessar pelo sorteio, me envie por e-mail (vitor.grnd@gmail.com) os seguintes dados:


- Nome
- Religião (se tiver)
- Endereço

Sorteio: 01/11/2008




segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Eu li... Jesus e o Império: O Reino de Deus e a Nova Desordem Mundial - Richard Horsley


Richard Horsley, professor de Línguas Clássicas e Religião na Universidade de Massachusetts, nos apresenta uma análise do movimento iniciado por Jesus à luz dos fatos sociais da época. Ele mostra como Jesus se opôs ao opressor Império Romano. Naqueles tempos, César era visto como Senhor e o Salvador do povo, as pessoas eram "salvas" pela fé em César. Jesus ao reinvidar o senhorio para si estava, em outras palavras, afirmando que César não é Senhor, é claro que o Império não deixaria isso passar em branco. Aqueles primeiros cristãos tinham total ciência de que ao aceitar o senhorio de Cristo eles estavam se posicionando contra o poder da época. Enquanto o Estado reinvindicava total servidão de seus cidadãos, inclusive decidindo sobre a educação de filhos e passando por cima dos direitos dos cidadãos quando disso dependia a estabilidade do Estado, que tinha prioridade máxima, Cristo reinvindica o mesmo senhorio, nós somos Seus servos de modo que o que prevalece são os propósitos d'Ele mesmo quando isso custa os nossos. O que mais aprendemos lendo Horsley, na minha opinião, é a dimensão das reivindicações Cristãs e do senhorio de Cristo. Ou Cristo ou César. Ou Cristo ou o Mundo. Não há meio termo.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Aprendendo a filosofar com Richard Swinburne



É o que o tópico diz. Entrei em contato, por e-mail, com ninguém menos que Richard Swinburne e tive o prazer de obter resposta duas vezes. A primeira eu lhe perguntei sobre o seu ritmo de leitura e suas dicas para um futuro filósofo, depois lhe perguntei sobre alguns livros sobre Filosofia da Religião, Epistemologia e Lógica. Outros estudiosos importantes como o historiador do Novo Testamento, Michael Licona, e também Craig Blomberg também me responderam, mas certamente a de Swinburne é a mais simpática e que vale a pena ser reproduzida aqui. As respostas estão aí para quem possa se interessar (tentarei traduzi-las na parte dos comentários):


Primeira Resposta:

Dear Vitor, Your question about how many books I read in a year is not as easy to answer as you suppose. While I certainly read some books in entirety, I read many individual chapters of books and many articles in journals, and there are also some books which I skip through very quickly. But clearly I read far more earlier in my philosophical career than I do now when I am devoting much more time to sorting out my ideas and putting them on paper. That said, perhaps I read about 12 full books in a year, but also considerable numbers (perhaps 100) of individual chapters and papers. If you are aiming to be a philosopher, you must read 1 or 2 books of each of the classical authors - Plato, Aristotle, Aquinas, Descartes, Leibniz, Berkeley, Hume, and Kant, and then modern authors who have influenced the Anglo-American tradition of philosophy (but not so much those who have been more important in the Continental tradition - if you share my view that their writing is not quite important as that in the Anglo-American tradition). Then you must read lots of modern articles (and in the case of important authors their books) on the topics which interest you particularly. There are large numbers of good anthologies in English on each of the areas of philosophy - for example ethics, metaphysics, philosophy of religion, and so on, which you must study. But it is most important all the time to be writing essays which respond to what you have read and try to provide in summary your own solutions to the issues. There's no avoiding the need for interaction with philosophy teachers who will criticise your writing. I do hope that you find suitable teachers in Brazilian universities. Philosophy of religion (in the way in which that subject has been developed in the Anglo-American tradition over the past 50 years) is not yet very influential in Brazil. Probably the philosopher who knows more about it than anyone else is Dr Agnaldo Portugal who teaches at the University of Brasilia. There is also Dr Desiderio Murcho who translated my little book IS THERE A GOD? into Portugese, and has just begun to teach in a Brazilian university, but unfortunately I've forgotten which that university is.(I don't know whether he would consider himself a 'Christian', but he knows about the philosophy of religion.) With best wishes for your studies Richard Swinburne

Segunda Resposta:
Dear Vitor, Both Bill Craig and Tim Morson are good philosophers; and I can commend their books to you. Tim was my doctoral supervisee, and his views are very much the same as mine; he writes in a very simple and engaging way. For anthologies on philosophy of religion, I can commend to you: (ed) Brian Davies, PHILOSOPHY OF RELIGION: A GUIDE AND ANTHOLOGY, and (ed.) Michael Peterson and other PHILOSOPHY OF RELIGION: SELECTED READINGS. I can also commend a new introductory textbook Michael Murray and Michael Rae INTRODUCTION TO THE PHILOSOPHY OF RELIGION. I'd also suggest to you anthologies on metaphysics: (ed.) Peter van Inwagen and Dean Zimmerman, METAPHYSICS: THE BIG QUESTIONS and (ed.) Michael Loux, METAPHYSICS: CONTEMPORARY READINGS. I'd also recommend very strongly that you read first an introductory textbook on metaphysics by Michael Loux METAPHYSICS: A CONTEMPORARY INTRODUCTION. On epistemology, I also strongly advise you to read some introduction first before you look at an anthology of contemporary writings, since the latter tend to be a bit sophisticated. I can certainly commend Noah Lemos, AN INTRODUCTION TO THE THEORY OF KNOWLEDGE; and also the fuller book by Robert Audi, EPISTEMOLOGY. Then you could look at (ed.) Sven Bernecker and Fred Dretske KNOWLEDGE, READINGS IN CONTEMPORARY EPISTEMOLOGY. Before you look at any of these I suggest you also look at an anthology which includes many classical readings (therefore in effect an anthology of the history of philosophy); (ed.) Louis Pojman and James Fieser, INTRODUCTION TO PHILOSOPHY: CLASSICAL AND CONTEMPORARY READINGS. On logic, you don't need an anthology, only a good textbook. One which I see well commended is Patrick Hurley, A CONCISE INTRODUCTION TO LOGIC. You should also read a few of the easily comprehensible classical works. For example, Plato, THE REPUBLIC and PHAEDO; Decartes, DISCOURSE ON METHOD and MEDITATIONS ON THE FIRST PHILOSOPHY, David Hume ENQUIRY CONCERNING HUMAN UNDERSTANDING; John Stuart Mill UTILITARIANISM. These would be a good beginning! I hope you find all this useful. With best wishes Richard Swinburne

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Como Pensar Sobre o Secularismo - Wolfhart Pannenberg


Wolfhart Pannenberg é um dos maiores teólogos protestantes do mundo. Professor de Teologia Sistemática na Universidade de Munique. Nesse artigo ele fala sobre como se deve pensar a questão do secularismo. Ferrenho defensor da aliança entre fé cristã e razão e opositor dos teólogos que desprezam o valor da história para a fé cristã. Ele afirma, entre outras coisas, que o cristão não deve temer a investigação crítica mas sim incentivá-la, visto que se a fé cristã é verdadeira nenhuma investigação crítica poderá derrubá-la a não ser por visões de mundo que pressupõe príncipios necessariamente hostis à fé Cristã que muitos teólogos adotam. Excelente artigo não só para teólogos mas para qualquer cristão culturalmente engajado.

O que quer que se queira dizer com secularização, poucos questionariam que nesse século a cultura pública se tornou menos religiosa. Isso não é apenas, como alguns sugerem, simplesmente o resultado da separação entre igreja e estado que aconteceu primeiramente há aproximadamente dois séculos antes. Tal separação não acarretou a alienação da cultura de suas raízes religiosas. Na América, por exemplo, o fim da religião estabelecida pelo estado não significou o fim do caráter predominantemente Cristão e Protestante da cultura Americana. Em outras sociedades Ocidentais, a relação entre o estado e uma outra Igreja Cristã continuou a ser efetiva até este século. Ainda assim nessas sociedades, também, nós vemos evidência de secularização, tipicamente bem mais avançada do que nos Estados Unidos. Secularização não é causada pela separação entre igreja e estado. As raízes do processo de secularização, que fez com que a cultura pública se alienasse da religião, e especialmente do Cristianismo, estão enraizadas no século dezessete.


O clima público de secularimo enfraquece a confiança dos Cristãos na verdade do que eles crêem. Em A Rumour of Angels (1969), Peter L. Berger descreve os crentes como uma “minoria cognitiva” cujos padrões de conhecimento se desviam do que é publicamente aceito. Berger escreveu sobre “estruturas de plausibilidade”. As pessoas precisam do apoio social para se assegurar que um certo relato da realidade é plausível. Quando tal apoio é enfraquecido, as pessoas precisam reunir uma forte determinação pessoal para que possa manter crenças que estão em desacordo com as crenças dos outros ao seu redor. “É possível, é claro, ir contra o consenso social que nos cerca,” Berger nota, “mas existem poderosas pressões sociais (que se manifestam como pressões psicológicas dentro de nossas consciências) que nos fazem nos conformar com as visões e crenças de nossos próximos.” Essa é precisamente a experiência de Cristãos vivendo numa cultura dominantemente secular.


Num ambiente secular, mesmo um conhecimento elementar do Cristianismo – sua história, ensinamentos, textos sagrados, e figuras formativas – se enfraquece. Não é mais uma questão de rejeitar os ensinamentos Cristãos; um enorme número de pessoas sequer tem o mais vago conhecimento de quais ensinos são esses. Isso é uma desenvolvimento notório quando considera-se quão fundamental o Cristianismo é para toda a história da cultura Ocidental. Quanto mais ampla for a ignorância em relação ao Cristianismo, maior será o preconceito contra o Cristianismo. Assim, pessoas que não sabem nem a diferença em Saulo de Tarso e João Calvino acham que tem toda certeza de que o Cristianismo foi provado como uma religião de opressão. Quando tais pessoas se interessam por religião ou “espiritualidade” – sendo esse interesse uma reação natural à superficialidade da cultura secular – elas frequentemente não se voltarão para o Cristianismo, mas sim para “religiões alternativas”.


Nessa circunstância cultural, não é fácil comunicar a mensagem Cristã. A dificuldade é exacerbada pela relativização cultural da própria idéia de verdade. Isso difere significativamente do secularismo Iluminista. Os pensadores secularistas do Iluminismo desafiaram os Cristãos a justificar suas afirmações de verdade por meio de argumentos racionais ao invés de simplesmente apelar para a autoridade religiosa. Mas ambos, Cristãos e seus oponentes criam que havia uma verdade sobre as questões em disputa. Isso não é mais crido hoje. Na visão de muitos, incluindo muitos Cristãos, as doutrinas Cristãs são mera questão de opinião que podem ou não ser afirmadas de acordo com as preferências do indivíduo, ou dependendo de se elas falam diretamente a desejos pessoais.


A dissolução da idéia de verdade – de verdade que não precisa da minha aprovação para ser verdade – debilita severamente o entendimento Cristão de evangelização ou missão. Proclamação missionária antigamente era entendida como levar a verdade aos outros, e era tanto legitima como extremamente importante. Para muitos hoje, a empreitada missionária é uma questão de impor nossas preferências pessoas e preconceitos culturalmente condicionados sobre os outros, e é, portanto não só ilegítima como moralmente ofensiva. Além das questões de missões, devemos nos perguntar por que as pessoas deveriam aceitar a fé Cristã a menos que elas acreditem que o ensinamento apostólico é verdadeiro. Mais precisamente, hoje a questão é se tem sentido afirmar que o ensinamento Cristão é verdadeiro. A idéia de verdade é absolutamente vital para a fé Cristã. A destruição dessa idéia é a chave para legitimação da cultura secular, visto que a idéia da verdade toca na maior vulnerabilidade do secularismo.

II

Secularismo e, mais compreensivelmente, a própria modernidade tem sido geralmente vista como uma conseqüência da apostasia da fé Cristã. Essa era a visão, por exemplo, do grande teólogo Protestante Suíço Karl Barth. De acordo com Barth, a cultura moderna tem sido uma revolta contra a fé Cristã cujo intento é colocar o ser humano no lugar de Deus. Há muito a ser dito em relação a essa interpretação, pois a realidade humana tem se tornado, de fato, básica na cultura moderna de uma maneira comparável ao fundamento religioso de culturas antigas. A preocupação pelos direitos humanos é um dos aspectos, o aspecto politicamente mais importante, da preocupação moderna com o homem. Assim passou-se a ver o indivíduo humano com o maior valor e critério de bondade.


É dubitável, entretanto, que esse desenvolvimento deva ser descartado em sua inteireza como exemplo de apostasia. Pode-se argumentar, também, que a forte ênfase na pessoa humana tem uma distinta origem Cristã. Nesse aspecto, o Cristianismo tem bastante em comum com o espírito moderno. Pode-se até sugerir que o espírito moderno contribuiu para liberar a consciência Cristã da distorção da intolerância. Em outras palavras, a relação entre fé cristã e modernidade é ambivalente, e não permite aos Cristãos rejeitar a modernidade de uma maneira inadequada. Embora a cultura moderna na sua guinada secularista contribuiu indubitavelmente para alienar muitas pessoas da fé Cristã, é necessário para os Cristãos, aprender a lembrar a lição ensinada pelo surgimento da modernidade, e incorporar essa lição à consciência Cristã.


A distinção entre âmbito secular e o chamado âmbito religioso ou espiritual não é nada novo na história Cristã. Nos séculos anteriores, entretanto, a distinção não dizia respeito à separação entre o secular – política, economia, lei, educação, artes – da influência espiritual da Igreja. Ao contrário, a própria distinção entre secular e religioso teve uma base Cristã. Essa base cristã foi uma consciência de que a ordem social existente era imperfeita e provisória; ainda não era o reino de Deus. Em relação a qualquer ordem social existente, o Cristianismo proveu uma modéstia escatológica. Isso coloca as sociedades Cristãs à parte de outras culturas saturadas pela religião como o Islã. Isso distingue o Império Bizantino do império Romano pré-Cristão. No período pós-Constantiniano havia um equilíbrio entre a autoridade dos bispos e a do Imperador, enquanto que na Roma antiga o próprio Imperador era o sumo sacerdote, pontifex maximus.


A distinção entre o religioso e o secular mudou novamente como um resultado da Reforma do século dezesseis ou, mais precisamente, como resultado das guerras religiosas que seguiram à ruptura da Igreja medieval. Quando em um número de países nenhum partido religioso podia impor sua fé sobre toda sociedade, a unidade da ordem social tinha que ser baseada em outro fundamento que não a religião. Além do que, o conflito religioso provou ser destrutivo à ordem social. Na segunda metade do século dezessete pessoas prudentes decidiram que, se a paz social tinha que ser restaurada, a religião e as controvérsias associadas com a religião teriam que ser quebradas. Nessa decisão surgiu a cultura secular moderna. Isso acabaria por levar ao secularismo e a cultura que é propriamente descrita como secularista.


Em séculos anteriores, a ruptura da religião teria sido inimaginável. Mesmo no século dezesseis, Reformadores e Católicos criam que a unidade religiosa era indispensável para a unidade da sociedade. Embora eles enfatizassem a importância decisiva da consciência individual em questões de fé, nem Lutero nem Calvino cogitaram a possibilidade de tolerância religiosa. O passo em direção a liberdade e tolerância religiosa foi dado primeiramente na Holanda, próximo do final do século dezesseis, para restaurar a paz entre setores Católicos e Protestantes da população. Quando William de Orange proclamou o principio de tolerância religiosa, ele pensou que estivesse agindo de acordo com os ensinamentos de Lutero sobre o apelo à consciência e a liberdade do Cristão. De fato, William tomou um passo decisivo em direção a uma reconstrução da ordem social e da própria cultura.


A velha suposição de que a unidade da sociedade requeria a unidade da religião não foi descartada por boas razões. Se os cidadãos têm que obedecer a lei e respeitar a autoridade do governo civil, eles devem crer que é moralmente correto fazer isso, que eles não estão simplesmente se submetendo ao capricho daqueles que estão no poder. Se o poder é para ser considerado legitimado, deve ser exercido em nome de alguma autoridade que está além da arbitrariedade e manipulação humana. A religião obrigava e coagia aqueles no poder como também àqueles sobre os quais o poder é exercido. De tal forma, o sujeito e o governante sentiam que estavam unidos em sua responsabilidade para com uma autoridade que estava acima de ambos.


Hoje tal visão de legitimidade moral e da ordem social parece antiquada. Essa visão antiga, entretanto, não foi rejeitada por ter sido refutada por argumentos. Mas sim, foi abandonada por razões pragmáticas: a necessidade urgente de restaurar a paz social frente aos sangrentos conflitos religiosos superou quaisquer outras considerações. Na ausência de formas religiosas de legitimar o governo, teorias alternativas foram desenvolvidas. Mas importante entre esses é a idéia de governo representativo. Ainda hoje, entretanto, a plausibilidade dessas teorias de legitimação repousa mais sobre razões pragmáticas do que sobre argumentos convincentes.

III

Após as guerras da religião, o fundamento religioso da sociedade, da lei e da cultura foi substituído por outro, e esse novo fundamento foi chamado de natureza humana. Assim surgiram sistemas de lei natural, moralidade natural e até religião natural. E, é claro, havia uma teoria natural de governo, apresentada na forma de teorias de contrato social. Tais teorias demonstraram a necessidade do governo civil para que se assegurasse a sobrevivência individual pelo preço da liberdade natural dos indivíduos (e.g., Hobbes), ou para assegurar a liberdade individual dentro dos limites da razão e da lei (e.g., Locke). Teorias que usavam a natureza humana como fundamento da ordem política, legal e cultural tornaram possível para as nações Européias colocar um fim ao período de guerras religiosas. Isso também tornou possível, talvez inevitável, a autonomia da sociedade e da cultura secular independente da influência da Igreja e da tradição religiosa.


O relato precedente do surgimento da ordem social secular está associado com Wilhelm Dilthey. Existem outras teorias, é claro. Talvez a mais conhecida seja o relato de Max Weber sobre a origem do capitalismo moderno. De acordo com Weber, o capitalismo moderno não foi produzido apenas por fatores econômicos, mas surgiu da doutrina Calvinista da predestinação e sua influência na conduta humana. Calvino ensinou que, apesar do decreto eterno de Deus ordenando a eleição ou rejeição de um indivíduo permanecer misterioso, se uma pessoa é eleita isso pode ser inferido através de sua conduta. Se ela faz as obras da regeneração, é provável que tal pessoa pertença aos escolhidos. Para o Calvinista, então, havia uma poderosa motivação para viver de uma maneira digna de um regenerado. Na vocação mundana de alguém, na observação consciente dos seus deveres para os quais é chamado, deve-se testemunhar a regeneração. E foi isso que aconteceu, Weber argumenta, o ascetismo racional dos antigos capitalistas teve sua fonte na esperança da espiritualidade Calvinista cuja origem está em outro mundo. A espiritualidade foi secularizada quando a dedicação que ela exigia foi posta a serviço da multiplicação do capital. Eventualmente, de acordo com Weber, isso produziu um sistema capitalista que funciona de uma forma bastante independente da motivação religiosa que o originou.


Outras teorias de secularização alegaram que a moderna crença no progresso é uma secularização da esperança escatológica Cristã. A esperança por um mundo melhor não é mais dirigida a outro mundo, mas se torna o projeto humano de aprimorar esse mundo. Karl Lowith argumentou que a moderna filosofia da história é de fato uma secularização da teologia Cristã da história; é uma versão secularizada da história da salvação.


A providência de Deus guiando o processo histórico em direção ao cumprimento escatológico é substituída por uma filosofia do progresso guiada pelo poder profético da ciência e da tecnologia e prometendo um futuro de felicidade mundial. A ciência secularizou a idéia teológica de lei tornando-a uma idéia de leis eternas da natureza, e a idéia de um universo infinito foi a versão secularizada da antiga crença na infinidade de Deus.


Nessas e outras teorias, um conteúdo religioso é transformado em algo imanente a esse mundo. Hans Blumenberg está entre aqueles que objetaram contra tais teorias porque elas colocavam a cultura moderna sob obrigação ao seu passado Cristão; elas sugerem que a verdadeira substância da cultura moderna pertence originalmente ao Cristianismo. Contra essa visão Blumemberg argumentou que a modernidade se emancipou das alegações opressivas da religião Cristã. Não são vestígios cristãos, mas sim a autonomia humana forma o centro da mente moderna. De fato, entretanto, essa posição não é tão removida das teorias de secularização discutidas acima. Elas, também, crêem que o legado religioso foi transformado em algo radicalmente novo – tão radicalmente novo como se pode esperar quando a humanidade toma o lugar de Deus como o centro de tudo.


Há, entretanto, uma decisiva falha em ambas as posições. Um lado alega que o processo de secularização é responsável pela transição da cultura Medieval para a Moderna. O outro explica essa transição em termos de uma emancipação de uma cultura dominada pela religião. Ambas vêem o surgimento da cultura moderna como primariamente um processo ideológico. A realidade, eu argumento, é que a transição em questão não foi, ou pelo menos não primariamente, guiada por uma ideologia. Foi a guerra civil religiosa e a destruição da paz social que tornou necessário o abandono da antiga idéia de que a cultura pública deve se basear sobre a unidade religiosa. Todo esforço para liquidar os conflitos entre partidos religiosos foram em vão. Aqueles que tentaram lidar com essa circunstância não pensavam que estavam abandonando a fé Cristã no seu esforço de encontrar uma base mais estável para a ordem social. Com relativamente poucas exceções, eles entendiam a si mesmos como Cristãos devotos, e se escandalizariam de pensar que estivessem privando as alegações de verdade cristã e a moral cristã da influência pública.


Colocado de outra forma, a emancipação moderna da religião não era a intenção, mas sim o resultado a longo-prazo de reconstituir a sociedade sobre um fundamento que não fosse a fé religiosa. Nenhuma ruptura com o Cristianismo era o intento daqueles que basearam a cultura pública em conceitos da natureza humana e não na religião. De fato, as idéias Cristãs continuaram a ser socialmente efetivas, apesar de estarem sendo gradualmente transformadas em crenças secularizadas, e não é surpresa o fato de que, com o tempo, muitas pessoas esqueceram de onde essas idéias vieram.


Pensando na relação entre o Cristianismo e a cultura moderna, é importante manter esses fatores em mente: primeiro, a modernidade não era para ser oposta a fé Cristã; segundo, a falta de tolerância entre os Cristãos no período pós-Reforma foi responsável direto pelo surgimento da cultura secular. O que os Cristãos deveriam aprender disso é a urgência em tratar suas controvérsias herdadas e restaurar algumas das unidades entre si. Ainda mais, a idéia e a prática da tolerância devem ser incorporadas no entendimento Cristão não só da liberdade, mas da própria verdade. Sem essas mudanças – mudanças que só os Cristãos podem fazer – é inútil esperar que a cultura moderna reconsidere a exclusão da religião da esfera pública. A memória do papel da religião na origem da modernidade reforça poderosamente o preconceito contemporâneo de que a religião na esfera pública é divisiva, intolerante, e destrutiva da sociedade civil.

IV

Bem no coração da cultura moderna encontramos ambigüidades que resultam de uma curiosa mescla de idéias Cristãs e não-Cristãs. O exemplo mais importante é a idéia moderna de liberdade. Há uma clara raiz Cristã na crença de que todos os seres humanos nascem para ser livres e que tal liberdade deve ser respeitada. Há um ensinamento bíblico que diz que os humanos foram criados à imagem de Deus e criados para aproveitar da comunhão com Deus. De fato, é só a comunhão com Deus que nos torna livres, de acordo Jesus (João 8:36) e Paulo (2 Coríntios 3:17). Enquanto cada ser humano é criado para aproveitar da liberdade que vem da comunhão com Deus, é só em Cristo que essa liberdade é realizada completamente através da redenção do pecado e da morte. Essa é a idéia Cristã de liberdade.


A idéia moderna de liberdade, mais efetivamente proposta por John Locke, difere da visão Cristã por focar apenas a condição natural do homem. Difere também em se apoiar sobre antigas idéias Estóicas de lei natural. Os Estóicos ensinavam que a liberdade e igualdade original dos seres humanos no estado natural se perdera por causa das necessidades de viver em sociedade. Locke pensava que a doutrina reformada da liberdade do Cristão tornou possível alegar a liberdade original como fato nessa vida. Em contraste com visões libertárias posteriores da liberdade individual, Locke cria que a liberdade pura está necessariamente unida com a razão e, portanto, positivamente relacionada com a lei. Na posição de Locke há um eco do entendimento Cristão de que a liberdade depende de estar unido com o bem e, portanto, com Deus.


A idéia predominante de liberdade nas nossas sociedades hoje, é claro, é a idéia de que cada pessoa tem o direito de fazer o que quiser. Liberdade não está ligada a nenhuma noção do bem como constituinte da própria liberdade. Por causa da incompletude da existência humana na história, qualquer idéia de liberdade envolve o risco de abuso. Mas isso não faz muita diferença na questão de se a distinção entre uso e abuso da liberdade é cumprida. Quando não é cumprida, é possível desafiar a igualdade entre liberdade e permissão. A ambigüidade construída na moderna idéia de liberdade nos ajuda a entender a ambivalência da cultura secular no que diz respeito aos valores em geral, o nervosismo em afirmar os conteúdos e padrões pelos quais a própria cultura é definida. No que diz respeito aos valores e tradições culturais, assim como alegações de verdade, prevalece uma atitude consumista. Cada um escolhe de acordo com suas preferência e suas necessidades. A separação da idéia de liberdade de uma idéia de verdade e do bem é a grande fraqueza das sociedades secularizadas.

V

Sob a influência de pensadores como Max Weber, a pressuposição dominante na modernidade é que a secularização vai continuar a impregnar todos os aspectos do comportamento social e individual, e a religião cada vez mais sendo empurrada para a margem da sociedade. Nas últimas duas ou três décadas, entretanto, tem se tornado evidente que a secularização (ou, como alguns preferem, modernização progressiva) encara problemas severos. A ordem social completamente secularizada faz surgir um sentimento de que não há sentido algum: há um vácuo na esfera pública da vida cultural e política, e isso cria violentes erupções de insatisfação. Como conseqüência, é difícil predizer o futuro da sociedade secular. Depende, em parte, de quanto tempo as pessoas estarão dispostas a pagar o preço de viver sem sentido em troca da licença para fazer o que quiserem. Até quando as pessoas se contentarem com os confortos da abundância, eles podem querer tolerar essas tensões indefinidamente. Por outro lado, as reações irracionais são imprevisíveis, especialmente quando há um sentimento de que as instituições da sociedade não são legítimas. A circunstância da sociedade secular moderna é mais precária do que queremos reconhecer. Aqueles que reconhecem o perigo insistem numa reafirmação das tradições pelas quais a cultura se definiu, e mais especificamente por uma reafirmação das raízes religiosas dessas tradições.


Tal insistência é, sem dúvidas, para o próprio interesse da sociedade secularizada. A religião como tal, entretanto, tem pouco interesse nisso. Ao contrário das ansiedades amplamente expressas poucas décadas atrás por pessoas de fé religiosa, agora é óbvio que o futuro da religião é menos precário do que o futuro da sociedade secularizada. A secularização está longe de ser um juggernaut implacável. Quanto mais a secularização e o que chamam de modernização progressiva avança, mais eles produzem uma necessidade de algo mais que possa dar sentido para a vida humana. Tal sentido se é para ser efetivo, tem que ser percebido como tendo sido concedido; não concedido para nossas vidas por nós mesmos, mas por alguma autoridade que esteja além de nossas invenções. O ressurgimento da religião e de movimento semi-religiosos que começou há poucas décadas atrás pegou os intelectuais secularistas de surpresa, mas poderia ter sido prevista (e foi prevista por alguns) como um resultado inevitável do secularismo.


Esse interesse renovado na religião, entretanto, nem sempre se volta para o Cristianismo. Em algumas sociedades, e em setores de todas as sociedades modernas, a volta para o Cristianismo parece ser a exceção. Uma razão para isso é o preconceito contra o Cristianismo como a "religião convencional" na consciência pública da cultura secular. Isso ajuda a explicar o amplo entusiasmo pelas "religiões alternativas". Outra razão do por que muitas pessoas estarão interessadas por religião, mas não pelo Cristianismo se encontra na forma em que as igrejas tem respondido aos desafios do secularismo. E isso me traz ao meu último ponto: Como as igrejas devem responder à cultura secular?

VI

A pior forma de responder ao desafio do secularismo é se adaptar aos padrões seculares de linguagem, pensamento e forma de viver. Se os membros de uma sociedade secular se voltam para uma religião, eles o fazem por estarem procurando algo além do que a cultura deles já provê. É contra produtivo oferecer-lhes uma religião secularizada que está cuidadosamente arrumada de forma a não ofender suas sensibilidades seculares. Nessa conexão, parece que as principais igrejas na América ainda tem que internalizar a mensagem de Dean Kelley em seu livro escrito há quase vinte e cinco anos atrás, Why Conservative Churches Are Growing (Porque Igrejas Conservadoras Estão Crescendo). O que as pessoas buscam na religião é uma alternativa plausível, ou no mínimo um complemento à vida numa sociedade secular. A religião que é nada mais do que "mais do mesmo" provavelmente não será nada interessante.


Eu me apresso em dizer que isso não é um argumento a favor de um tradicionalismo morto. A velha maneira de fazer as coisas na igreja pode incluir elementos que são extremamente entediantes e sem sentido. O Cristianismo proposto como uma alternativa ou complemento à vida numa sociedade secularizada deve ser tanto vibrante quanto plausível. Acima de tudo, deve ser substancialmente diferente e propor uma diferença na maneira em que as pessoas vivem. Quando a mensagem e o ritual são acomodados, quando as extremidades ofensivas são removidas, as pessoas suspeitam que o clero não acredite realmente em nada muito distinto. A apresentação plausível e persuasiva das particularidades Cristãs não são uma questão de marketing. É uma questão de o quê as igrejas devem às pessoas nas nossas sociedades secularizadas: a proclamação do Cristo ressurreto, a alegre evidência da vida nova em Cristo, da vida que supera a morte.


Por não ser um argumento a favor do tradicionalismo (tendo em mente a perspicaz observação de Jaroslav Pelikan de que a tradição é a fé viva dos mortos enquanto o tradicionalismo é a fé morta dos vivos), então isso também não é um argumento a favor do fundamentalismo. Reconhecidamente, o termo fundamentalista hoje é usado para condenar qualquer religião que ofenda seriamente as sensibilidades seculares. Por fundamentalismo eu quero dizer uma religião que, de forma ignorante afirma uma certeza, se recusando a usar a racionalidade humana. A oposição da proclamação Cristã ao espírito do secularismo deve estar sempre aliançada com a razão. Isso está de acordo com a clássica tradição Cristã que, desde os tempos da Igreja primitiva, formou uma aliança com a razão e a verdadeira filosofia para sustentar a validade universal do ensinamento Cristão.


Os secularistas estão certos ao expor a irracionalidade, o fanatismo, e a intolerância quando estas aparecem em nome da religião, mesmo quando eles o fazem para desacreditar a religião como tal. O autêntico ensinamento Cristão se apropria de tudo que é válido na cultura secular enquanto alega,e foca sua atenção sobre a verdade de que o espírito secular não é mais digno de atenção. Os Cristãos podem confiantemente fazer isso porque eles sabem que, assim como as doutrinas Cristãs outrora foram desafiadas em nome da razão e de uma abordagem racional à verdade, assim também o próprio secularismo se tornou irracional. Nas nossas circunstâncias contemporâneas, há uma grande esperança na renovação da clássica aliança entre a fé Cristã e a razão.


Os Cristãos que afirmam racionalidade, entretanto, devem estar preparados para aceitar críticas, e para cultivar uma atitude de autocrítica dentro de suas próprias comunidades. As doutrinas e formas de espiritualidade tradicionais, junto com a própria Bíblia, não estão isentas de investigação crítica. Tal investigação é necessária devido a aliança entre fé e razão. A confiança Cristã na verdade de Deus e de Sua revelação deve ser vigorosa o bastante para confiar que a verdade não vai sucumbir a nenhuma descoberta da investigação crítica. Claro que há formas de críticas preconceituosas e distorcidas que pressupõe uma visão de mundo secularista que são necessariamente hostis à fé Cristã. Para que a investigação crítica possa florescer, tais falsos criticismos tem que ser firmemente expostos e rejeitados. Como diferir entre investigação crítica e criticismo possuído pelas pressuposições do secularismo é um assunto para outro ensaio. Basta dizer que pode ser feito e deve ser feito. Meu argumento é que, se pensarmos que devemos proteger a verdade revelada de Deus da investigação crítica, na verdade estamos demonstrando nossa descrença. Tal investigação, enquanto pode as vezes apresentar suas dificuldades, irá no final realçar o esplendor da verdade de Deus. A confiança numa verdade - uma verdade exibida na proclamação e na vida - é a única resposta ao desafio do secularismo.

 
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