Esse é um pequeno resumo das vidas de S. Ambrósio e S. Agostinho, líderes cristãos do século IV, que eu preparei para a disciplina de História da Teologia na faculdade. Essa primeira parte trata da vida de Ambrósio, a segunda tratará de S. Agostinho.
Ambrósio e Agostinho são duas das mais importantes figuras da história da Igreja Cristã, cujas vidas estão intrinsecamente ligadas, de modo que não é possível tratar adequadamente da vida de Ambrósio sem se referir a Agostinho e, principalmente, não podemos falar de Agostinho sem se referir ao seu discipulador, Ambrósio. Boa parte daquilo que sabemos sobre a vida de Ambrósio vem da obra Vida de Ambrósio de Paulino, escrita a pedido do próprio Agostinho. E se não fosse por S. Ambrósio, talvez Agostinho jamais tivesse se tornado o Santo Agostinho.
Ambrósio
A formação e eleição de Ambrósio ao episcopado de Milão
Ambrósio, desde cedo, era destinado à vida política, tendo sido eleito governador de Milão no ano de 371. Ambrósio, até então, não era um cristão comprometido, tendo sido eleito Bispo de Milão contra sua vontade. A Igreja de Milão, do Bispo Auxêncio, vivia em tensão devido à controvérsia Arianos vs. Nicenos. - resumidamente, os arianos defendiam que Cristo não partilhava da mesma substância do Deus Pai e, portanto, seria um deus criado e inferior, o Concílio de Nicéia (daí o nome nicenos) condenou Ário como herege .A Igreja se dividia entre esses dois grupos. Após a morte de Auxêncio, os Nicenos se sentiram impelidos a eleger um bispo que representasse o credo niceno – Ambrósio nem cogitava se candidatar. Devido ao conflito, o próprio governador decide estar presente durante a eleição para evitar qualquer tumulto. Num certo momento após Ambrósio, com sua oratória, apaziguar o conflito, uma criança se levantou e disse 'Ambrósio, bispo!'. Prontamente todos resolveram votar em Ambrósio, inclusive os Arianos. A voz das crianças, naquela época, era vista como a voz da inocência, quando uma criança falava era como se Deus falasse. Ambrósio se retirou da Igreja, porém, os fiéis não mudaram de idéia, eles fariam o impossível para empossar Ambrósio. Como governador ele fez uso do seu direito de torturar os acusados, Paulino nos relata que:
'Ambrósio deixou a Igreja e mandou preparar seu tribunal... Contrariamente ao seu costume, ordenou que submetessem as pessoas á tortura. Porém, mesmo diante deste fato o povo não deixava de aclamá-lo (...) dizendo: que teu pecado caia sobre nós. Mas este grito nada tinha de semelhante ao povo judeu. O clamor judeu derramou o sangue do Senhor. As pessoas de Milão, sabendo que Ambrósio era catecúmeno, prometiam-lhe com intenção sincera a remissão de todos os seus pecados pela graça do batismo “
Depois disso, Ambrósio permite que mulheres de má fama entrem em sua residência, mas a multidão insistia:” Que teu pecado caia sobre nós”.
Depois de muito hesitar, finalmente Ambrósio se rende aos fiéis e se torna Bispo de Milão. Apesar de toda sua hesitação, Ambrósio foi um bispo exemplar, sua primeira atitude como bispo foi vender todo o ouro e dinheiro que possuía e dar aos pobres e à Igreja. Ela acreditava que a cobiça e a inveja eram a fonte de todos os males da humanidade, e isso explica sua atitude.
A principal característica de seu episcopado, fruto de seu histórico como advogado e governador de Milão, foi seu envolvimento político. Graciano foi o imperador responsável pelo declínio do paganismo entre os anos de 354 e 382, após sua morte, os pagãos ensaiaram um retorno. Símaco, prefeito de Roma, dirigiu ao imperador uma solicitação pedindo que a estátua da Vitória fosse reintroduzida no Senado romano. Ambrósio imediatamente intervém escrevendo ao imperador: 'Se tu reintroduzes esta estátua no Senado, eu não te aceito na Igreja' e 'Tu poderás ir à Igreja, mas não encontrarás aí nenhum sacerdote, ou se encontras um, ele te resistirá!". A estátua não foi reintroduzida. Era a derrota dos pagãos.
A imperatriz Justina, mãe do imperador Valentino, não se agradava da influência política de Ambrósio e, por ser ariana, tentou eliminar Ambrósio solicitando ao imperador que tirasse de Ambrósio a basílica de Milão, para que um bispo ariano pudesse celebrar o culto
"Quase todas as vossas cartas testemunham uma solicitude especial para com a Igreja... (Eis o que se passou aqui)... Os chefes do exército e os membros vieram me encontrar para que eu entregasse a basílica e a passasse, pessoalmente, com medo de um movimento popular. Eu respondi o que é próprio do sacerdócio: o templo de Deus não pode ser entregue pelo sacerdote de Deus... Tribunos se apresentaram para que a basílica fosse cedida. Eles diziam que o imperador está em seu direito, pois tudo emana do seu poder. Respondi: Se ele me pedisse o que é meu, terra ou dinheiro, eu não colocaria obstáculo - muito embora tudo o que é meu pertença aos pobres. Mas as coisas que são de Deus não estão sujeitas ao poder imperial. Se o imperador exige meu patrimônio, ei-lo... Ordenam-me: "Entrega a basílica!”- Eu respondo: "A mim, não é permitido entregá-la. A vós, senhores, não vos é permitido recebê-la." Retrucam: ' Tudo é permitido ao imperador, pois tudo lhe pertence'. Respondo: 'Não creiais, senhores, ter a título de imperador qualquer direito sobre as coisas de Deus'. Está escrito: 'A Deus o que é de Deus, a César o que é de César. Ao imperador os palácios, ao bispo as igrejas''
Mas Justina não admitiu a derrota, no ano seguinte ela indicou um certo Mercurino para o lugar de Ambrósio, e que ela consagrou bispo com o nome de Auxêncio, em homenagem ao falecido bispo ariano. Em 23 de Janeiro Valentiniano promulgou uma lei que concedida aos arianos o direito de reunião, e ordenou ao bispo que entregasse as igrejas aos arianos. Ambrósio sequer responde a tal ordem e, quando convocado para comparecer perante o tribunal, responde apresentando o motivo pelo qual não se apresentará: "Em matéria de fé, os bispos são juízes dos imperadores cristãos, e não os imperadores dos bispos... O imperador não está acima das igrejas, ele está na Igreja". A corte resolve empregar a força, o que será inútil, os soldados investiram contra a basílica Porciana, onde Ambrósio estava com uma multidão de fiéis. Os fiéis entoaram hinos e se recusaram a ceder. Paulino e Santo Agostinho são testemunhas deste fato. Agostinho escreve: "Eis minha mãe que vai à Basílica para ocupá-la. Ela fará tudo o que Ambrósio lhe disser para fazer." Definitivamente, era Ambrósio quem governava e não o imperador.
6 comentários:
Usei de dois livros para escrever esse texto:
Curso de Teologia Patrística III - Dom Fernando Antônio Figueiredo
e
História Ilustrada do Cristianismo Parte II: A Era dos Gigantes - Justo Gonzáles
Excelente texto, já havia feito um trabalho sobre os períodos da Igreja, mas como me foi passado um período de 100 anos, não tive como prender-me a personagens específicos e muito do que você aprofundou aqui, deixei de ver...
Um boa semana! Fico aguardando a segunda parte...
Victor, obrigado por mais este texto interessante e estimulante sobre a vida dos santos padres da igreja.
Era bacana pegar textos sobre a história da igreja de diversos autores para ver se bate, se não bate, o que não bate, etc.
Uma sugestão. No trecho final, último parágrafo acho que poderias incluir: falecido bispo ariano. E quando fala "entrasse". Acho que você queria dizer: entregasse.
Um abraço e muito obrigado!
Daniel
Obrigado, Daniel!
Fiz as correções.
Um abraço,
Vitor
Vitor,
Otimo texto. Um senhor primeiro aprouch à Ambrosio. No aguardo do Agostinho.
Queria aproveitar a oportunidade para lhe apresentar o meu blog, o Genizah e recomendar uma visita. Por minha vez, já me tornei seu seguidor.
Graça e Paz!
Danilo
http://genizah-virtual.blogspot.com/
ACHEI INCRIVEL ESSE ESTUDO E GOSTARIA DE SABER MAIS SOBRE A VIDA DE AMBROSIO
Postar um comentário