quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Este inferno de amar - Almeida Garrett

Almeida Garrett


Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é vida – e que a vida destrói.
Como é que se veio atear,
Quando – ai se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… foi um sonho.
Em que a paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele olhar…
Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… Dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? Eu que fiz? Não o sei;
Mas nessa hora a viver comecei…
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Resenha de "The Testimony of the Beloved Disciple"



Tradução: Rodrigo Gonçalves de Souza

Anglicano da IEAB, Missão Santo Agostinho de Cantuária
Blogueiro: informadordeopiniao.blogspot.com
defideorthodoxa-informadordeopiniao.blogspot.com
colabora como convidado em adcummulus.blogspot.com


Muitas coleções de artigos de um estudioso bíblico publicados anteriormente sobre um tópico não parecem merecer ainda mais um livro em uma indústria já saturada. Ninguém pode com imparcialidade, acusar este volume de cair nesta categoria. Richard Bauckham, recentemente aposentado da Universidade de St. Andrews, tem uma distinta carreira como um escritor prolífico sobre uma incrível variedade de temas, sem dúvida nenhum deles mais importantes do que suas obras sobre o Evangelho de João. Apesar de que o oferecido neste volume são reimpressões ou revisões de ensaios que tenham surgido noutras ocasiões (e um é uma reformulação de uma seção de um livro recente de Bauckham), muitos foram disponibilizados em fontes pouco conhecidas e todos merecem a maior audiência e contexto que a sua apresentação neste volume irá proporcionar.

O Capítulo "Características Historiográficas do Evangelho de João" apresenta elementos que ligam este documento mais com história do que biografia, ou, pelo menos, mais do que no Sinóticos. Estes elementos incluem informações precisas de topografia e cronologia e a utilização de testemunhas oculares e numerosos discursos ou diálogos Nada disso torna o Evangelho necessariamente preciso em tudo que apresenta, mas deixa a porta aberta para tal conclusão dado gênero literário que resulta deste estudo. O Capítulo "A Audiência do Evangelho de João" demonstra quão pobremente as influências da abordagem de J..L Martyn, de uma leitura de dois níveis da narrativa (algumas poucas coisas reais da vida de Jesus, mas mais transparecendo as realidades do final do primeiro século) realmente funcionam. As passagens de excomunhão podem não refletir qualquer vasto emprego da Birkath-ha-Minim [ Bênção dos hereges, que fora promulgada na liturgia judaica a partir do Concílio de Jamnia – final do séc.I - para excomungar alguns considerados hereges, como os cristãos, que até então incluíam alguns que buscavam participar dos ritos comunais judaicos – N. do T.], numerosos personagens obviamente não representam alguém da comunidade de João ou sua oposição, e o uso geral da Patrística via a audiência de João como a mais ampla e não sectária.

A comparação entre o dualismo, nos Rolos do Mar Morto, especialmente no que diz respeito à luz e as trevas, mostra que os paralelos com o João não estão tão perto quanto às vezes se tem mantido. Estudiosos foram corretos ao balançar o pêndulo para longe do pano de fundo greco-romano para judaicos para esses fenômenos e correlacionados, mas o caso de fazê-lo pode ser ainda melhor visualizado simplesmente pelos paralelos do Antigo Testamento. A literatura rabínica e Josefo referem-se a pelo menos dois poderosos e ricos líderes judaicos pelo nome de Nicodemos na elite da família Gurion. Provavelmente não há nenhuma combinação com o de João, mas dada a freqüente prática do reaproveitamento de alcunhas familiares e a raridade deste nome particular fora desta família, tudo no Quarto Evangelho sobre Nicodemos reverbera verossimilhança. .

Lázaro, Marta e Maria, por outro lado, eram nomes judeus extremamente comuns. Portanto, o aparecimento do Lázaro ressurreto, em João 11 não requer as hipóteses de empréstimos da parábola de Lucas 16:19-31. Afinal, nenhuma ressurreição é requisitada lá, apenas uma aparição temporária a partir do reino dos mortos. Por outro lado, os retratos das duas irmãs que mostram a combinação certa de semelhanças e diferenças entre Lucas 10:38-42 e João 11/12 sugerem que João pode muito bem fornecer retratos historicamente precisos sem simplesmente tomar emprestado de Lucas. Semelhante lógica apóia a autenticidade da cena do caminhar sobre as águas em João 13- a coerência com a logia [Na erudição do Novo Testamento, o termo logia refere-se primariamente à suposta coleção dos ditos de Jesus que se acredita ter sido mencionada por Papias. N. do T.] empregada sem paralelismo íntimo o suficiente para sugerir dependência em qualquer ponto.

Em um estudo do messianismo judaico, no Quarto Evangelho, Bauckham mostra como os vários retratos de Jesus como Cristo, profeta como Moisés, e Filho do Homem todos refletem o justo equilíbrio da coerência com os substratos judaicos e encaixam com a “progressiva auto-revelação” de Jesus, como para ser credível nos contextos aos quais João atribuiu-os. Em seu enfoque sobre monoteísmo e Cristologia neste Evangelho, Bauckham mostra como os ditos de Jesus referentes a "unidade com o Pai”, o “Eu-Sou” e outros exemplos deste exercício das suas prerrogativas divinas nunca são redigidas de forma a sugerir um comprometimento para com o monoteísmo. Na verdade, os relevantes substratos do Antigo Testamento mostram que o que se traz de Jesus é justamente que a sua relação com o Pai "é parte integral para que Deus seja O Único" (p. 252).

A santidade de Jesus no Quarto Evangelho é para ser espelhada na santidade dos discípulos, com exceção de que ela não é absoluta para eles, e (portanto) eles não são expiadores dos pecados do mundo, como Cristo foi. Mas os separa do mundo para que possam ser portadores de sua mensagem para o mundo. O misterioso número 153 para a quantidade de peixes capturados em João 21:11 deve ser entendido como altamente simbólico, dada a característica prevalecente do simbolismo algébrico judaico nos dias de João. Além de endossar algumas sugestões anteriores, Bauckham observa que o equivalente numérico do grego das quatro palavras-chave no primeiro "término" do Evangelho de João 20:30-31 para "assinar", "crer", "Cristo" e "vida" são 17, 98, 19 e 36, respectivamente. 153 é o "triângulo" de número 17 (a soma dos números de 1 a 17, e a soma de 98, 19 e 36 também é 153). O que quer que tudo isso mais implique, certamente sugere que a mesma pessoa por trás do capítulo 21 escreveu o restante do Evangelho [ Paul S. Minear, em “The Original Functions of John 21”, 1985, já havia feito uma vigorosa defesa dessa posição – N. do T.] !

Uma breve resenha dificilmente pode avaliar cada uma destas contribuições pormenorizadamente. Pergunto-me se para Bauckham, “João, o Ancião”, que tão estreitamente se assemelha ao filho de Zebedeu em perfil, teria sido tão facilmente reconhecido como distinto dele, especialmente desde que o único personagem chamado João no Quarto Evangelho é o Batista, mas a ele nunca é dado este epíteto. Alguém que não seja João, filho de Zebedeu, foi capaz de fazer isto sem temer ambigüidades, especialmente quando o Evangelho circulou para muito além dos seus iniciais destinatários efésios - como Bauckham salienta? É preciso escolher entre Bauckham e Larry Hurtado, por exemplo, o qual salienta a segregação parcial do monoteísmo em várias vertentes de judaísmos periféricos em binitarianismo? Apesar das notáveis coincidências de somas numéricas, temos qualquer controle sobre tais especulações algébricas para dar-nos alguma confiança que João realmente pretendeu isto?

Mas estas são bagatelas menores. Globalmente, este é uma coleção de ensaios extraordinariamente meticulosa, criativa, e que mesmo rompe paradigmas, sendo que cada um merece um estudo cuidadoso, e quase todos merecem aceitação generalizada. Adquira este livro, maravilhe-se com ele e digira-o. Bauckham deve ser tão mais esclarecido e lúcido na sua aposentadoria quanto ele fora durante a sua ilustre carreira!

Craig L. Blomberg, Ph.D.
http://www.denverseminary.edu/

Distinguished Professor of New Testament
Denver Seminary
December 2007




domingo, 26 de julho de 2009

Você Irá Sofrer | John Piper

domingo, 19 de julho de 2009

Resenha de Making Sense of the New Testament

Resenha do livro Making Sense of the New Testament: Three Crucial Questions - Craig Blomberg
Tradução livre: Obtendo o Sentido do Novo Testamento: Três Questões Cruciais


Este livro explora três aspectos controversos da pesquisa do Novo Testamento a partir de uma perspectiva cristã conservadora. Foi concebido para ser um volume companheiro para o de Longman Tremper, Making Sense of the Old Testament: Three Crucial Questions , que faz parte de uma série maior de Baker que aborda o tema "três questões fundamentais" em fervorosamente contestadas questões bíblicas e teológicas (13). Longman divide seu estudo em três grandes questões sobre hermenêutica, teologia, e de aplicação, enquanto Blomberg divide seu estudo em três grandes perguntas sobre Jesus, Paulo, e aplicação. No primeiro capítulo Blomberg avalia a confiabilidade histórica do Novo Testamento. No segundo ele compara os ensinamentos de Jesus e Paulo e pergunta se Paulo foi o segundo ou o verdadeiro fundador do cristianismo. No terceiro capítulo ele delineia vários princípios para a aplicação judiciosa dos textos para um contexto contemporâneo. Estes três locus de heurística, ele adverte, abrangem a maior parte da literatura do Novo Testamento e concentra o estudo sobre os debates mais importantes na pesquisa neotestamentária e teologia da Igreja. Esta revisão irá analisar o tratamento de Blomberg destas três questões cruciais e avaliar a contribuição do livro para o campo.

Capítulo 1 pergunta: "Será que o Novo Testamento é Historicamente Confiável" (17)? O interlocutor oculto neste capítulo e em todo o livro é o pesquisador liberal moderno, que subestima a histórica credibilidade do Novo Testamento, conclui Blomberg. Seu primeiro alvo é o Jesus Seminar. Eles são culpados, ele argumenta, do círculo vicioso, uma vez que pressupõem as suas conclusões. Uma vez que a impossibilidade de milagres é pressuposto, por exemplo, então, naturalmente, as histórias de milagres dos Evangelhos serão julgadas fictícias. Além disso, o novo Acts Seminar é culpado das mesmas "abordagens imperfeitas" (19). Inversamente, porém, a Terceira Busca para o Jesus histórico é mais otimista sobre a possibilidade de obter conhecimento seguro da vida de Jesus a partir do Novo Testamento, e Blomberg compartilha desse otimismo.Ele reúne evidências históricas para a confiabilidade do Novo Testamento, do harmonioso retrato de Jesus que surge a partir do Evangelho e da sua confirmação por escritos de não-cristãos (judeus e historiografia greco-romana), a arqueologia, e os pais apostólicos. Blomberg admite que nem todos os argumentos individuais que ele encaminha serão incontornáveis, mas as suas forças combinadas são convincentes: "Cumulativamente, no entanto, um caso impressionante pode ser feito para a grande confiabilidade dos Evangelhos e Atos, através de critérios históricos por si só" (70). Mas seu subdeterminado uso de "história" é precisamente o problema. Embora Blomberg utilmente distingue entre contemporâneas e antigas "convenções para escrever história e biografia" (29 - 30), ele nunca articula explicitamente sua concepção da "história" e em que sentido exato do Novo Testamento é e não é "historicamente" preciso. O debate depende da concepção de um emprego de história.

Capítulo 2 pergunta: "Foi o Paulo o verdadeiro fundador do cristianismo?" (71). Subjacente a esta questão são as diferenças prima facie entre os ensinamentos de Jesus e Paulo e da suposta falta de conhecimento deste dos pormenores biográficos de Jesus. Neste capítulo Blomberg refuta este persistente equívoco da pesquisa liberal (representada por Baur, Wrede, Bultmann, e Lüdemann). Ele começa por apontar amplos conhecimentos paulinos dos ensinamentos de Jesus (73-81). Atos e as epístolas paulinas indiscutíveis revelam a significativa profundidade de conhecimento de Paulo, e ele certamente sabia mais do que ele cita ou alude à, nestas cartas. Em seguida ele traça o conhecimento paulino de outros elementos na tradição do Evangelho (81-84). A razão para Paulo não clamar mais sobre seu conhecimento de Jesus é porque sua audiência já teria sido familiarizada com o básico dos detalhes biográficos. Por fim, ele enumera seis decisivas semelhanças teológicas entre Jesus e Paulo: justificação pela fé e do reino de Deus, o papel da lei, a missão e Gentios na igreja , o papel das mulheres (sobre o qual muitos acirrariam uma disputa), cristologia e escatologia . Em resposta à pergunta que ele colocou no início do capítulo, Blomberg declara que Paulo foi "de nenhuma forma" o verdadeiro ou o segundo fundador do Cristianismo (105). Pelo contrário, Paulo baseia-se na tradição que ele recebeu de Jesus, os apóstolos e seu encontro com Cristo, que ele transmitiu ao mundo gentio.

Embora Blomberg reconheça as diferenças entre os seus ensinamentos, ele argumenta que eles são muito mais afins do que "modernos céticos" têm sugerido: "As linhas de continuidade entre Paulo e do Jesus Histórico novamente superam as diferenças" (78). Mas, como na primeira seção, Blomberg rejeita muitos argumentos sem lhes dar um amplo e avançado questionamento e sem muitos argumentos que justificam-no plenamente.

Ele apela constantemente à limitação de espaço e refere-se a outras obras quando alega que não teria tido muito mais espaço para aprofundar a argumentação central em maior detalhe.


Capítulo 3 pergunta: "Como o cristão aplica o Novo Testamento à vida?" (107). Esta seção é direcionada para os cristãos que desejam incorporar os ensinamentos do Novo Testamento em suas vidas. Blomberg lamenta que os cristãos encontram frequentemente subaplicações do Novo Testamento que são, por vezes, apenas humorísticas e por vezes extremamente perigosas. Desde que subaplicações se baseiam em interpretações erradas, ele pretende sistematizar princípios hermenêuticos e procedimentos que irão facilitar a interpretação. Ele define quatro etapas para a "legítima aplicação bíblica" na tentativa de transferir a sua aplicação original do texto para um contexto contemporâneo (108). Em seguida ele trata os principais gêneros de textos do Novo Testamento e orienta o leitor a especificidade de cada um dos livros e gêneros que devem nortear exegese. Ele prossegue explicando específicos princípios de hermenêutica. Grande parte do seu conselho poderia ser reduzido ao princípio da contextualização: saber como subseções se encaixam dentro de um texto maior e como é a sua localização entre um particular parágrafo ou livro, impactos e significado. Por último, Blomberg engaja-se no problema difícil de determinar se o ensino de Paulo sobre um determinado assunto ou situação é específico- normativo, dada a "ocasional" natureza das epístolas e seu status como escritura (133). Nesta parte e em toda a seção suas sugestões são perspicazes e úteis, mas o seu âmbito é limitado pelo seu viés protestante conservador [???]. Um cristão ortodoxo ou católico, por exemplo, poderá formular os problemas e enunciar soluções hermenêutica muito diferente [Não se diria o mesmo no caso de papéis trocados? – N. do T.].


O mérito do estudo de Blomberg é a sua acessibilidade. Introduz e sintetiza os principais debates e métodos dos estudos do Novo Testamento sem saturar o leitor com minúcias. Os não-especialistas irão se beneficiar o seu amplo alcance, e especialistas irão se beneficiar de sua apresentação concisa das questões. Nem todos vão concordar com suas conclusões, especialmente os estudiosos liberais contra quem ele abre polêmica, mas todos irão apreciar o seu domínio sobre o terreno. Argumentos de Blomberg refletem um viés cristão evangélico conservador, e aqueles que não compartilham seus compromissos podem se sentir alienados quando lerem a terceira seção, em particular. É preciso não esquecer que este livro é destinado aos leitores simpatizantes, e por isso tem um tom apologético e polêmico. A principal falha no livro é um subproduto da sua brevidade. Em muitas ocasiões a crítica de Blomberg falha em desenvolver seus argumentos suficientemente. Suas restrições de espaço resultam em argumentações subdesenvolvidas, que é o preço pago pela concisão e acessibilidade. O estudo de Blomberg vai servir como uma útil introdução a essas questões contenciosas para igrejas cristãs conservadoras e seminários. Para as universidades e seminários menos conservadores, a melhor introdução seria de Raymond E. Brown, Uma Introdução ao Novo Testamento. O livro de Blomberg, porém, é uma contribuição positiva para a pesquisa do Novo Testamento.

Mark S. M. Scott
Harvard University
Cambridge, MA 02138

sábado, 4 de julho de 2009

Vidas de Ambrósio e Agostinho: Parte II



Dando continuidade ao nosso breve resumo das vidas de Sto. Ambrósio e Sto. Agostinho, trataremos agora da vida de Aurélio Agostinho. Nascido em Tagaste, onde hoje fica a Argélia, no ano de 354 d.C., e em 396 d.C. foi eleito bispo coadjutor de Hipona (auxiliar, com o direito de sucessão depois da morte do bispo corrente) e pouco depois bispo principal. Ele permaneceu como Bispo de Hipona até seu falecimento no ano de 430 d.C.


2. Agostinho de Hipona


Assim como Ambrósio, Agostinho não tinha muito interesse na religião cristã, filho de uma cristã fervorosa, Mônica, Agostinho dizia que a religião de sua mãe não era nada mais do que "fábulas de velhas". Apesar de nascido na Igreja, ele viveu uma vida libertina e teve um filho com sua concubina, chamado Adeodato.


Agostinho era um homem intelectual e muito estudioso. Ele é atraído à vida filosófica pela leitura de Hortensius, obra de Cícero que se perdeu no tempo. Fiel ao ideal filosófico, ele se torna um devorador de livros, porém, algo o deixava insatisfeito:


"Um único ponto fazia diminuir meu ardor: o nome de Cristo não estava no livro. Este nome, segundo os olhares de vossa misericórdia, Senhor, este nome de meu Salvador, vosso Filho, meu terno coração de criança o tinha sugado com amor, sugando o leite de minha mãe; dele conservava o mais alto apreço. Tudo aquilo de que estivesse ausente este nome, ainda que fosse de uma obra literária douta, bem escrita e verídica, não me atraía em absoluto".


Nas Confissões, ele escreve: "Criaste-nos para Ti, e o nosso coração vive inquieto até repousar em Ti." Esse anseio de Agostinho, como veremos logo adiante, é manifesto durante todas as etapas de sua vida.


2.1 A Peregrinação de Agostinho à Fé Cristã


Primeiro, Agostinho buscava o ideal mundano - fama, ganhos, honras, cargos. Ele queria tomar do mundo tudo quanto fosse possível. Isso não o satisfez e o levou ao ideal religioso. Nesse momento, certas objeções afastavam Agostinho do Cristianismo, são elas o problema do mal e o pouco valor literário da Bíblia. Assim, Agostinho abraça o maniqueísmo que oferecia uma certa resposta ao problema do mal e usava da Bíblia apenas aquilo que lhes apetecia. O maniqueísmo era uma seita moralista que propunha uma Igreja só de puros. Agostinho vai acabar por se desiludir com o Maniqueísmo por dois motivos principais, primeiramente, Agostinho tinha algumas dúvidas que nenhum líder maniqueísta consegue responder satisfatoriamente, Agostinho era exortado a esperar por Fausto, um líder maniqueísta que viria e responderia suas indagações. Ao se deparar com Fausto, Agostinho se desiludiu com o maniqueísmo ao ver que a argumentação de Fausto nada tinha de substancial, mas apenas muita retórica. Alinhado com isso, ele percebe que o ideal de pureza dos maniqueus era falso, ele disse: "Esses homens não vivem o ideal de pureza que pregam; mentirosos, não vivem o que ensinam e pretendem viver.' Com isso, Agostinho percebe que não se pode exigir uma Igreja só de puros, o mal é algo intrínseco à natureza humana pelo fato de o ser humano já nascer herdeiro do pecado de Adão - isso vai levá-lo a desenvolver a doutrina do pecado original e será útil na sua batalha contra Pelágio que dizia que a salvação é obtida através da santificação pessoal.


A partir desse momento ele começa sua caminhada àquilo que fazia sua alma viver ansiando - o cristianismo. Agostinho abraça o neoplatonismo, esta doutrina lhe apresenta uma resposta satisfatória para o problema do mal, para o neoplatonismo o mal nada mais é do que a ausência de bem e não uma entidade que exista independente do bem. Nas suas Confissões, ele diz que o mal é como um parasita, pois não tem existência pŕopria, mas vive de deturpar o bem. Uma mentira, por exemplo, não existe por si só, mas existe como deturpação da verdade. E assim, Agostinho encontra a solução para um dos problemas que o afastavam do cristianismo, além disso, o neoplatonismo apresenta toda uma visão espiritual de Deus, descrito como o Uno, acima de todas as coisas, fonte da qual brota a realidade toda e para a qual tudo converge. Mas faltava a resposta ao problema do pouco valor literário da Bíblia e aí entra o Bispo Ambrósio de Milão. Agostinho assim descreve o seu primeiro encontro com Ambrósio:


'Vim, pois, a Milão ter com o bispo Ambrósio, por sua virtude conhecido em todo o mundo, como alma de elite e vosso piedoso servidor. Sua grande eloquência servia então ao vosso povo 'o alimento de vosso trigo', 'a alegria de vosso óleo', 'a sóbria embriaguez' do vinho. Vós me levastes a ele sem eu o saber, para que por meio dele voltasse sábio a Vós. A acolhida deste homem de Deus foi para mim a de um pai e teve, por minha qualidade de estrangeiro, atenção que se pode esperar de um bispo"


Ambrósio, além de pregar utilizando o neoplatonismo, usava a exegese alegórica de Orígenes e revela a Agostinho a chave para compreensão do texto bíblico: 'Toda Escritura é espiritual." Orígenes afirmava que haviam dois sentidos no texto das Escrituras são eles (1) o sentido literal e (2) o sentido espiritual, este último só podia ser descoberto com a pureza de caráter, justamente por isso eram tal dificeis de serem compreendidos.Os textos que, para Agostinho, pareciam "ensinar um erro", agora, através da exegese de Ambrósio, revelavam seu verdadeiro sentido espiritual e se tornavam inteligíveis.


Não podemos deixar de mencionar uma experiência espiritual que também marcou profundamente o início de sua caminhada cristã e dissipou definitivamente suas dúvidas, deixemos Agostinho falar por si mesmo:


“Indaguei as profundezas ocultas da minha alma, arranquei os seus piedosos segredos e, quando os tive todos juntos diante dos olhos do meu coração, eclodiu em mim uma grande tempestade que provocou um dilúvio de lágrimas… Com efeito senti que era ainda escravo dos meus pecados e na minha miséria não cessei de repetir entre gemidos: “Até quando continuarei a dizer: amanhã, manhã? Porque não agora? Porque não acabar neste momento com os meus horríveis pecados?”.


Estava eu a fazer-me estas perguntas e chorava com a mais viva dor no meu coração, quando senti de repente uma voz infantil numa casa próxima. Não seria capaz de dizer se era voz de menino ou de menina: sei, no entanto, que continuava a repetir o refrão: “Toma e lê! Toma e lê!”. Olhei em volta e pus-me pensar se haveria algum jogo em que as crianças repetissem estas palavras, mas não me lembrava de alguma vez tê-las ouvido antes. Enxuguei as lágrimas e levantei-me a dizer que só podia ser Deus que me ordenava que abrisse o livro das Escrituras e ler a primeira passagem que surgisse aos meus olhos. De facto, eu já tinha ouvido dizer que Antão tinha entrado numa igreja enquanto se lia o Evangelho e tinha pensado que se dirigiam a ele pessoalmente as palavras que ouviu ler: “Vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres; depois, vem e segue-me!”. Esta mensagem divina tinha-o convertido imediatamente.


Apressei-me então a voltar para onde Alípio estava sentado, porque, quando me levantara para me ir embora, tinha deixado ali o livro das cartas de Paulo. Peguei nele, abri-o e li as primeiras palavras que me surgiram diante dos olhos: “Não nas orgias nem na embriaguez, na imoralidade ou na lascívia, não nas contendas ou ciúmes, pegai antes nas armas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não queirais contentar a vossa natureza pecadora nem satisfazer os seus desejos”.


Não quis ler mais, nem tive, aliás, necessidade. Num instante, tendo chegado ao fim da frase, foi como se a luz da fé tivesse inundado o coração, fazendo desaparecer todas as trevas da dúvida”.


AGOSTINHO, Confissões VIII, 12


A experiência de ouvir a voz infantil dizendo "Toma e lê!" é semelhante à experiência de Ambrósio que através de outra voz infantil - "Ambrósio, bispo!" - iniciou sua vocação episcopal. Dois gigantes da Igreja marcados por uma inocente voz infantil. Aí entende-se o porquê que a voz das crianças era considerada quase como a voz do próprio Deus.


Essa experiência mística aliada com o neoplatonismo e a exegese alegórica de Orígenes era a união da fé com a razão que faltava para Agostinho se tornar o Santo Agostinho. "A fé não pode contradizer a razão" afirmou Gregório de Nissa. Na patrística a fé não era vista como inimiga da razão, mas eram aliadas, a fé verdadeira precisava ser inteligível e nem por isso se tornava árida e distante da práxis cristã, assim, vemos que os maiores téologos e defensores da ortodoxia na patrística eram também pastores zelosos das almas de seus rebanhos que não hesitavam perante o poder dos imperadores ou dos prazeres mundanos.


2.2 O Pensamento de Agostinho


Agostinho é, junto com Tomás de Aquino, o maior pensador da história da Igreja e sua obra é de tal dimensão que torna inviável considerá-la aqui, porém, alguns pontos podem ser levantados.


2.2.1 Agostinho diante das Escrituras Sagradas:


Agostinho já estava ciente das divergências textuais dos diversos textos da Bíblia. Ele afirma que devíamos preferir uma versão latina chamada de Itala - da qual não restou nenhum vestígio. Ele também sente algumas dificuldades em compreender a relação entre os dois Testamentos. Na sua luta contra os maniqueus, que negam a validade do Antigo Testamento, ele é pressionado a resolver o problema, daí ele vai dizer que o Antigo Testamento está ocultado no Novo e no Novo está a manifestação do Antigo, portanto, a censura dos maniqueus em relação ao Antigo Testamento e aceitação do Novo seria incoerente, já que a negação de um implica na negação do outro. Agostinho vai explicar a unidade entre os dois testamentos pelo fato de ambos terem Cristo como autor, não sendo Cristo apenas a chave hermenêutica de interpretação das Escrituras - como diziam Inácio de Antioquia e Clemente de Alexandria - mas também como o próprio autor das Escrituras. As diferenças entre os Testamentos são explicadas através do conceito da pedagogia de Deus, Deus para se fazer entendido pelo homem se revela progressivamente, por exemplo, tendo que lidar com homens carnais que querem se vingar, Deus lhes dá a lei do talião, para levá-los um dia, num caminhar progressivo, ao perdão das ofensas até mesmo de seus próprios inimigos.


Na teologia de Agostinho encontramos três conceitos fundamentais: a graça, o sacramento e a verdade. A graça é o primeiro deles, é para Agostinho, um estado onde o homem apesar de não ver o que ele crê, ele deseja o que se ama. Isso significa que o impensável que está em meu espírito, o impossível que está no meu coração, são pensáveis e possíveis em Deus. Deus pode pensá-los por nós, em nós. Deus os torna possíveis. Nós passamos, então, a amar e desejar o que Deus manda, dessa forma somos levados a realizar a lei que Deus nos deu. O conceito de Sacramento, que seria um instrumento necessário para se chegar a Deus, são instrumentos que servem para nos levar a compreender certas verdades de Deus. E o conceito da Verdade, a graça derramada no coração do homem inscreve em seu coração a verdade de Deus.


2.2.2 Agostinho diante da pregação da Palavra:


Para se pregar a Palavra é necessário uma certa cultura, no mínimo precisamos conhecer uma língua e os detalhes da cultura na qual estamos inseridos. Isso leva Agostinho a se perguntar se haveria uma cultura necessária para quem quer pregar a Palavra. Na obra A Doutrina Cristã, muito influente na Idade Média, S. Agostinho explica com quais princípios deveríamos ler a Bíblia e trata da questão da cultura clássica. Agostinho afirma que a cultura clássica é dispensável, dizendo que basta ao pregador o conhecimento da Bíblia e dos mestres cristãos. Mas ele acrescenta que a retórica pode ser útil, pois é uma técnica para utilização da palavra, portanto, apesar de a cultura clássica não ser indispensável, ela pode nos ser útil se aliada com a cultura cristã encontrada na Bíblia e nos autores cristãos.


Agostinho reconhecia alguns riscos e limitações da Palavra enquanto proclamadas por alguém. Ele reconhecia que a linguagem humana não era capaz de expressar o Verbo divino em toda sua plenitude, além disso ele temia não corresponder a verdade e atrair para si mesmo e não para Deus. O que fez com que ele continuasse a pregar foi sua humildade em reconhecer que deveria se colocar a serviço dos irmãos, e mesmo que sua linguagem fosse insuficiente para expressar aquilo que ele realmente gostaria de dizer, era necessário fazê-lo , pois o povo precisa de sacerdotes.


2.2.3 Agostinho diante de sua obra:


Um fato interessante da vida de Agostinho é que no final de sua vida, ele se colocou perante sua obra e a comentou à luz do Agostinho maduro. Essa obra de reflexão se chamou Retractationes. É claro que ele não conseguiu examinar toda sua obra, mas podemos analisar a evolução de seu pensamento através daquilo que ele comentou sobre seus próprios escritos.


Um breve exemplo da mudança de pensamento de Agostinho é seu posicionamento sobre milagres. Primeiramente, ele comenta nas Confissões descoberta dos corpos dos mártires Gervásio e Protásio em Milão e os supostos milagres que se produziram a partir disso. Agostinho se mostra um tanto cético e desinteressado pelo caso. Mais tarde, refletindo sobre os milagres apostólicos, ele dirá que o Cristianismo é como uma árvora que cresceu, necessitando no início, nos seus primeiros anos, de ser regada. Os milagres teriam, nessa fase, justamente o objetivo de regar a fé dos crentes, ele afirma:


"Estando a Igreja católica difundida e estabelecida por toda a terra, aqueles milagres não foram mais consentidos ao nosso tempo. Isso para que o nosso espírito não exija sempre coisas visíveis, e que o gênero humano não arrefeça pelo costume de se apoiar nestes bens, com cuja novidade se tinha inflamado"

Alguns anos após essa declaração, em 415, ocorre um fato que fará Agostinho rever sua posição. São descobertas relíquias de Santo Estevão - Agostinho não dá importância a isso - e um certo dia acontece um milagre diante da capela de Santo Estevão: uma anciã é curada. Agostinho, então, passa a reconhecer a atualidade dos milagres e afirma: quão admirável é Deus nos seus santos! Nas Retractationes, ele retira a opinião de que os milagres eram unicamente pŕoprios da época apostólica e afirma: 'Não se podem conhecer, nem enumerar todos os milagres que se produzem em nossa época".

domingo, 14 de junho de 2009

Vidas de Ambrósio e Agostinho: Parte I

S. Ambrósio de Milão


Esse é um pequeno resumo das vidas de S. Ambrósio e S. Agostinho, líderes cristãos do século IV, que eu preparei para a disciplina de História da Teologia na faculdade. Essa primeira parte trata da vida de Ambrósio, a segunda tratará de S. Agostinho.

Ambrósio e Agostinho são duas das mais importantes figuras da história da Igreja Cristã, cujas vidas estão intrinsecamente ligadas, de modo que não é possível tratar adequadamente da vida de Ambrósio sem se referir a Agostinho e, principalmente, não podemos falar de Agostinho sem se referir ao seu discipulador, Ambrósio. Boa parte daquilo que sabemos sobre a vida de Ambrósio vem da obra Vida de Ambrósio de Paulino, escrita a pedido do próprio Agostinho. E se não fosse por S. Ambrósio, talvez Agostinho jamais tivesse se tornado o Santo Agostinho.

Ambrósio

A formação e eleição de Ambrósio ao episcopado de Milão


Ambrósio, desde cedo, era destinado à vida política, tendo sido eleito governador de Milão no ano de 371. Ambrósio, até então, não era um cristão comprometido, tendo sido eleito Bispo de Milão contra sua vontade. A Igreja de Milão, do Bispo Auxêncio, vivia em tensão devido à controvérsia Arianos vs. Nicenos. - resumidamente, os arianos defendiam que Cristo não partilhava da mesma substância do Deus Pai e, portanto, seria um deus criado e inferior, o Concílio de Nicéia (daí o nome nicenos) condenou Ário como herege .A Igreja se dividia entre esses dois grupos. Após a morte de Auxêncio, os Nicenos se sentiram impelidos a eleger um bispo que representasse o credo niceno – Ambrósio nem cogitava se candidatar. Devido ao conflito, o próprio governador decide estar presente durante a eleição para evitar qualquer tumulto. Num certo momento após Ambrósio, com sua oratória, apaziguar o conflito, uma criança se levantou e disse 'Ambrósio, bispo!'. Prontamente todos resolveram votar em Ambrósio, inclusive os Arianos. A voz das crianças, naquela época, era vista como a voz da inocência, quando uma criança falava era como se Deus falasse. Ambrósio se retirou da Igreja, porém, os fiéis não mudaram de idéia, eles fariam o impossível para empossar Ambrósio. Como governador ele fez uso do seu direito de torturar os acusados, Paulino nos relata que:

'Ambrósio deixou a Igreja e mandou preparar seu tribunal... Contrariamente ao seu costume, ordenou que submetessem as pessoas á tortura. Porém, mesmo diante deste fato o povo não deixava de aclamá-lo (...) dizendo: que teu pecado caia sobre nós. Mas este grito nada tinha de semelhante ao povo judeu. O clamor judeu derramou o sangue do Senhor. As pessoas de Milão, sabendo que Ambrósio era catecúmeno, prometiam-lhe com intenção sincera a remissão de todos os seus pecados pela graça do batismo “


Depois disso, Ambrósio permite que mulheres de má fama entrem em sua residência, mas a multidão insistia:” Que teu pecado caia sobre nós”.

Depois de muito hesitar, finalmente Ambrósio se rende aos fiéis e se torna Bispo de Milão. Apesar de toda sua hesitação, Ambrósio foi um bispo exemplar, sua primeira atitude como bispo foi vender todo o ouro e dinheiro que possuía e dar aos pobres e à Igreja. Ela acreditava que a cobiça e a inveja eram a fonte de todos os males da humanidade, e isso explica sua atitude.

A principal característica de seu episcopado, fruto de seu histórico como advogado e governador de Milão, foi seu envolvimento político. Graciano foi o imperador responsável pelo declínio do paganismo entre os anos de 354 e 382, após sua morte, os pagãos ensaiaram um retorno. Símaco, prefeito de Roma, dirigiu ao imperador uma solicitação pedindo que a estátua da Vitória fosse reintroduzida no Senado romano. Ambrósio imediatamente intervém escrevendo ao imperador: 'Se tu reintroduzes esta estátua no Senado, eu não te aceito na Igreja' e 'Tu poderás ir à Igreja, mas não encontrarás aí nenhum sacerdote, ou se encontras um, ele te resistirá!". A estátua não foi reintroduzida. Era a derrota dos pagãos.


A imperatriz Justina, mãe do imperador Valentino, não se agradava da influência política de Ambrósio e, por ser ariana, tentou eliminar Ambrósio solicitando ao imperador que tirasse de Ambrósio a basílica de Milão, para que um bispo ariano pudesse celebrar o culto em Milão Ao cercarem a basílica, os soldados de Valentino se recusaram a tomar a basílica, pois temiam tanto a excomunhão de Ambrósio que não queriam executar as ordens do imperador. Pela primeira vez na história da Igreja Cristã vemos um bispo com mais influência do que o imperador. Pela primeira vez na história um bispo ousou afirmar: "O que pertence a Deus não está sujeito ao poder imperial. Ao imperador, os palácios; ao bispo, as igrejas." S. Ambrósio relata esse feito memorável a sua irmã Marcela:


"Quase todas as vossas cartas testemunham uma solicitude especial para com a Igreja... (Eis o que se passou aqui)... Os chefes do exército e os membros vieram me encontrar para que eu entregasse a basílica e a passasse, pessoalmente, com medo de um movimento popular. Eu respondi o que é próprio do sacerdócio: o templo de Deus não pode ser entregue pelo sacerdote de Deus... Tribunos se apresentaram para que a basílica fosse cedida. Eles diziam que o imperador está em seu direito, pois tudo emana do seu poder. Respondi: Se ele me pedisse o que é meu, terra ou dinheiro, eu não colocaria obstáculo - muito embora tudo o que é meu pertença aos pobres. Mas as coisas que são de Deus não estão sujeitas ao poder imperial. Se o imperador exige meu patrimônio, ei-lo... Ordenam-me: "Entrega a basílica!”- Eu respondo: "A mim, não é permitido entregá-la. A vós, senhores, não vos é permitido recebê-la." Retrucam: ' Tudo é permitido ao imperador, pois tudo lhe pertence'. Respondo: 'Não creiais, senhores, ter a título de imperador qualquer direito sobre as coisas de Deus'. Está escrito: 'A Deus o que é de Deus, a César o que é de César. Ao imperador os palácios, ao bispo as igrejas''


Mas Justina não admitiu a derrota, no ano seguinte ela indicou um certo Mercurino para o lugar de Ambrósio, e que ela consagrou bispo com o nome de Auxêncio, em homenagem ao falecido bispo ariano. Em 23 de Janeiro Valentiniano promulgou uma lei que concedida aos arianos o direito de reunião, e ordenou ao bispo que entregasse as igrejas aos arianos. Ambrósio sequer responde a tal ordem e, quando convocado para comparecer perante o tribunal, responde apresentando o motivo pelo qual não se apresentará: "Em matéria de fé, os bispos são juízes dos imperadores cristãos, e não os imperadores dos bispos... O imperador não está acima das igrejas, ele está na Igreja". A corte resolve empregar a força, o que será inútil, os soldados investiram contra a basílica Porciana, onde Ambrósio estava com uma multidão de fiéis. Os fiéis entoaram hinos e se recusaram a ceder. Paulino e Santo Agostinho são testemunhas deste fato. Agostinho escreve: "Eis minha mãe que vai à Basílica para ocupá-la. Ela fará tudo o que Ambrósio lhe disser para fazer." Definitivamente, era Ambrósio quem governava e não o imperador.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Sorteio do Livro "A Veracidade da Fé Cristã"


Este mês realizaremos o sorteio do livro “A Veracidade da Fé Cristã”, publicado pela Editora Vida Nova. O livro foi escrito pelo Dr. William Lane Craig, que pode ser considerado um dos maiores apologistas da atualidade. Isso porque não há outro que tenha enfrentado tantos proeminentes eruditos céticos em debates públicos como ele. O Dr. Craig já defendeu a fé cristã em debates publicos com céticos ilustres como Bart Ehrman, John Dominic Crossan, Anthony Flew, Gerd Ludemann, Richard Carrier, Paul Kurtz, entre outros. Pode-se ler a transcrição de vários desses debates em seu website (www.reasonablefaith.org).


Recentemente, o Dr. Craig enfrentou o ateu Christopher Hitchens em um debate sobre a existência de Deus. Hitchens é conhecido no Brasil como colunista da Revista Época e autor do livro “Deus não é grande – Como a religião envenena tudo”. Um blogueiro ateu escreveu sobre o debate: “Francamente, Craig espancou Hitchens como uma criança insensata.” Perceba com atenção que essas foram as palavras de um ateu – não as de um evangélico.


Se você deseja conhecer melhor este grande apologista, há diversos artigos de sua autoria publicados no blog Apologia.


Para participar do sorteio, basta clicar aqui e preencher o formulário. O evento está previsto para o dia 30 de Junho de 2009.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sorteio do DVD "Jornada pela Liberdade"



Nós, cristãos contemporâneos, temos o péssimo hábito de desconhecer - para não dizer desprezar - as nossas raízes e história. Talvez seria surpresa para muitos saber que foi um grupo de evangélicos, liderados por William Wilberforce, que aboliram a escravidão na Inglaterra, assinando o Ato contra o Comércio de Escravos de 1807. Este filme trata justamente da vida de William Wilberforce, deputado britânico e cristão fervoroso, que dedicou sua carreira política à causa abolicionista. Jornada pela Liberdade é um chamado ao despertamento social e político no meio evangélico. O nome do filme, no original, é Amazing Grace, título do clássico hino de John Newton que além de compositor foi o mentor espiritual de Wilberforce e ex-traficante de escravos. John Newton era traficante de escravos quando, numa tempestade em alto mar, sentiu quão frágil e dependente da graça de Deus é o homem, esse fato o levou a compor o hino que entrou pra história da música cristã - Amazing Grace (Maravilhosa Graça). No mês que comemoramos os 121 anos do final da escravidão no Brasil sortearemos o DVD do filme que trata da abolição da Escravatura na Inglaterra.

Veja uma breve biografia de Wilberforce:
http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Wilberforce

Leia o artigo Quem acabou com a escravidão?

Veja o clipe do belo hino que dá título ao filme:
Amazing Grace

Para participar do sorteio, envie os seguintes dados para o email



- Nome
- Religião (se tiver)
- Endereço


O sorteio está previsto para 04 de Junho de 2009. O ganhador do DVD será anunciado por email
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Minhas listas de livros desejados


No dia do aniversário, por que não pedir um livro?

Para quem quiser contribuir com o autor desse blog na sua formação, posto aqui minhas listas de livros desejados da Amazon e Livraria da Travessa:

AMAZON

LIVRARIA DA TRAVESSA

É isso aí!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Sorteio do livro "A Religião e o Desenvolvimento da Ciência Moderna"



No começo de Maio, faremos o sorteio do livro “A Religião e o Desenvolvimento da Ciência Moderna”, escrito por R. Hooykaas, professor da Universidade de Utrecht. Nesse livro, o autor investiga o papel que a interação das concepções bíblica e helênica do mundo desempenharam para o surgimento, no Ocidente, da ciência como a conhecemos hoje.

Numa época em que muitos vêem a religião e ciência como adversários, a instigante análise histórica de Hooykaas propõe uma interpretação inovadora e mesmo surpreendente, ao sugerir que a ciência contemporânea é, em boa parte, produto da influência judaico-cristã no pensamento ocidental.

O livro que iremos dar de presente é uma raridade pelo fato de ele estar esgotado em sua editora, que é a Universidade de Brasília. Por esse motivo, dessa vez haverá um requisito diferente para poder ganhá-lo. Quem desejar participar do sorteio, terá que enviar um email para o responsável da Editora UnB, Sr. Dival Porto Lomba, pedindo a reedição da obra. Esperamos que essa iniciativa colabore para que haja uma nova edição do livro.

O que deve ser escrito no email a ser enviado para o Sr. Dival Porto Lomba? Apenas um pedido simples para que o livro “A Religião e o Desenvolvimento da Ciência Moderna”, escrito por R. Hooykaas, seja novamente publicado. O email deve ser enviado para o endereço dival@editora.unb.br. Além disso, uma cópia do email deve ser enviada para sorteio@apologia.com.br.


Pretendemos realizar o sorteio no dia 5 de Maio entre as pessoas que enviaram o pedido de reedição do livro. Assim que o sorteio for realizado, entraremos em contato com o vencedor para que ele possa informar o endereço para o envio do livro.



Para saber mais sobre o assunto Cristianismo x Ciência, sugerimos a leitura dos seguintes textos:

domingo, 8 de março de 2009

Sexualidade e o Mundo Contemporâneo




1. Introdução: Como falar sobre moralidade e sexo?


1.1 Como falar sobre moralidade?


É necessário levantar alguns pontos importantes antes de podermos entrar direto no assunto deste artigo. Falar sobre moralidade e sexualidade é algo bastante delicado e, portanto, faz-se necessário tecer algumas palavras de introdução para evitar alguns equívocos comuns ao se tratar destes assuntos. O que eu quero que o leitor tenha em mente é que eu não tenho a pretensão de criar uma regra moral a partir dos argumentos abaixo, simplesmente porque não cabe ao homem decidir de forma absoluta e universal sobre qualquer regra moral, pois isso é uma prerrogativa de Deus – se Ele, de fato, existir -, Ele sim pode decidir tais coisas pelo fato de Sua natureza ser essencialmente boa e de ser absoluto sobre o universo, mas como vivemos numa cultura que não pressupõe a existência do Deus cristão, não podemos impor a moralidade cristã sobre nossa cultura. O que podemos fazer, e de fato fazemos, para formular o código moral da sociedade é pesar as consequências positivas e negativas de um determinado ato e a partir disso afirmar que tal atitude não deve, ou deve, ser praticada para o bem geral da sociedade. Toda ação que julgamos imoral é, no fundo, julgada como tal a partir desses princípios. Eu acredito no Deus cristão e na moralidade sexual tradicional – casamento com fidelidade total ao parceiro, ou a abstinência total - mas meu intuito não é argumentar a partir da Bíblia a favor deste ponto, mas sim analisar as consequências da sexualidade como ela é encarada no mundo contemporâneo e mostrar se ela é nociva ou positiva para o bem da sociedade.


1.2 Como falar sobre sexo?


Antes de falarmos sobre o sexo, que é um assunto extremamente delicado, precisamos pensar um pouco sobre como se debate um assunto, qualquer assunto, inclusive o sexo. Num debate se apresentam argumentos, razões, premissas que sustentem uma determinada conclusão. Pesando argumentos pró e contra decidimos qual conclusão é a mais provável, pelo menos é assim que se deve debater. Todavia, existe um famoso ditado que diz que futebol, política e religião não se discutem. Por que isso? Por uma simples razão: tais assuntos são, na maioria das vezes, não debatidos com a razão, mas sim com a emoção, com a paixão. Meu time é o melhor não importa se ele não vence um jogo há um ano, ele continuará sendo o maior e pronto. Se meu político se envolve em algum escândalo, não importa, ele continuará sendo o melhor. Quando o assunto é religião, então nem se fala. Isso é devido ao fato de que tais opções são feitas com base num gosto pessoal, na paixão, e não numa ponderação racional e crítica dos argumentos pró e contra uma determinada opção. Isso, portanto, impossibilita um debate maduro. O mesmo vale para o sexo. O sexo é um assunto difícil de ser debatido racionalmente, pois falamos de sexo influenciados pela paixão. Por isso é quase impossível aceitar um argumento contra o nosso estilo de vida sexual, porque há algo dentro de nós que fala mais alto do que a razão. Experimente formular o seu melhor argumento contra o estilo de vida homossexual, usando evidências psicológicas e sociológicas e apresente a um grupo de homossexuais militantes, você provavelmente encontrará uma forte e até agressiva oposição e seus argumentos serão ignorados. Se você fizer o contrário, apresentando sua defesa da liberação sexual a um grupo de religiosos fundamentalistas, a reação pode ser até pior. Sabemos que na Igreja o sexo é um grande tabu e, geralmente, aquele que defende um estilo sexual diferente do consenso é fortemente rejeitado. Ou até se você defender alguma outra crença diferente da ortodoxia vigente na Igreja, você provavelmente não encontrará argumentação, mas sim rejeição. Isso tudo porque, pensamos mais com nossa paixão do que nossa razão e precisamos aprender a pensar racionalmente sobre aqueles assuntos que defendemos apaixonadamente sem deixar a paixão contaminar nossa argumentação. Cientes, então, de que é com a frieza da razão que se argumenta, podemos encarar o tão polêmico assunto que é o sexo.


2. Sexualidade e Saúde Mental


Uma das principais críticas que o mundo secular lança contra a moralidade sexual tradicional é o argumento de que o controle dos impulsos sexuais e a abstinência sexual extraconjugal são repressores e, portanto, causadora de diversas neuroses emocionais. Geralmente, a psicanálise e o seu conceito de repressão ou recalque, cunhado por Sigmund Freud, é usada como base para sustentar tal tese. Os impulsos reprimidos seriam causadores de sintomas neuróticos e desequilíbrio mental.


Essa idéia é profundamente enraizada na mentalidade secular e difícil de ser extirpada, pois, como vimos, o ser humano está sempre buscando racionalizar suas ações pecaminosas para aliviar sua consciência (lembrem-se da questão das paixões). Apesar disso, essa idéia não encontra muito respaldo psicanalítico como veremos logo adiante, mas para começar com uma ilustração, lembro-me de um trecho do livro E Se Jesus Não Tivesse Nascido? de James Kennedy, no qual ele comenta e compara duas pessoas que ele teve a oportunidade de conhecer: uma mulher que há anos dormia com diversos homens, e um homem que só havia beijado apenas a sua esposa em toda a sua vida. Pelos padrões seculares a conclusão óbvia é de que a mulher deveria ser uma pessoa muito realizada, feliz e satisfeita sexualmente; já o homem um frustrado com severas dificuldades mentais. No entanto, a verdade é que ele conheceu a mulher num hospital psiquiátrico e o homem é Billy Graham, o grande evangelista e conselheiro de boa parte dos presidentes americanos. Ora, o problema desse preconceito secular não está na psicanálise e nem com Freud, mas sim nas distorções que o secularismo faz para sustentar suas teses. Freud jamais foi a favor da liberação sexual, foi sim a favor da liberdade de se falar livremente sobre sexo, mas não na liberdade de agir. Vamos ver o que o próprio Freud diz em relação a isso:


“Achar que a psicanálise busca qualquer cura para as desordens neuróticas, dando livre vazão à sexualidade, é um equívoco sério, que só pode ser desculpado a partir da ignorância. Quando conscientizarmos as pessoas de seus desejos sexuais reprimidos, por meio da análise, isso, pelo contrário, lhes permite ter domínio sobre eles mesmos, coisa que a repressão prévia era incapaz de conseguir. Seria mais certeiro dizer que a análise liberta o neurótico das cadeias de sua sexualidade”¹


Freud está dizendo que quem usa a psicanálise para sustentar a liberação sexual é um ignorante, além disso, ele afirma que:


“’Uma... comunidade está perfeitamente justificada, psicologicamente’ a proibir o comportamento sexual de crianças ‘pois não haverá perspectiva de refrear os apetites sexuais dos adultos, se a base para tanto não tiver sido preparada na infância”²


E ele ainda alertava que quando os padrões sexuais desaparecem, como aconteceu “no declínio das civilizações antigas, o amor ficou destituído de valor e a vida, vazia”³.


Mas se é essa a opinião de Freud, de onde vem a confusão? Não podemos confundir o termo “repressão” com “supressão” – como muitos costumam fazer. A palavra “repressão” é um termo técnico que se refere a um processo inconsciente que, quando excessivo, pode ocasionar sintomas neuróticos. A repressão excessiva geralmente ocorre cedo na vida, e quando ela ocorre, não temos consciência desse acontecimento. A sexualidade reprimida não parece sexualidade para o paciente. Já a supressão, por outro lado, é o controle consciente dos nossos impulsos. Ao confundir os dois, muitos concluem que qualquer tipo de controle de impulsos sexuais faça mal à saúde, o que é uma bobagem, pois na realidade é a falta de controle que faz mal à saúde. C.S. Lewis escreve: “a entrega a todos os nossos desejos obviamente leva à... doença, à inveja, à mentira, à dissimulação e a tudo que é contrário à saúde... Qualquer felicidade, mesmo desse mundo, exige bastante moderação...”. Freud apenas criticava a hipocrisia sexual daquela época, essa sim era causadora de doenças neuróticas, portanto, como cristãos, devemos ter liberdade para falar de sexo, caso contrário, podemos estar criando uma comunidade de neuróticos sexuais que não saberão lidar com sua sexualidade, mas isso não implica na liberação de todo e qualquer impulso sexual. Wilhelm Reich, pioneiro da libertação sexual e uma cultuada figura nos anos 60, dizia que toda neurose é sintoma de falha sexual e a única salvação para o homem era o "orgasmo definitivo". Mas apesar de exigir liberdade sexual para si tendo inúmeros casos extraconjugais, ele não suportava a idéia de que sua mulher pudesse viver sob a mesma filosofia,. E eu lhes digo o porquê: a filosofia da liberação sexual simplesmente não funciona, é perniciosa e destruidora de emoções e de uniões matrimoniais, não há homem [e mulher] que consiga viver sob tal filosofia. Idéias como as de Reich permeiam a sociedade contemporânea, pois aparentemente nos são muito aprazíveis, todavia  implicam graves consequências. Para terminar, uma pesquisa da revista norte-americana Redbook com 100.000 mulheres mostrou que aquelas mais liberais sexualmente eram as menos satisfeitas com sua vida sexual, e as que se classificaram como “muito religiosas” eram as mais satisfeitas sexualmente. Ora, além ser mais saudável, a sexualidade tradicional, ao contrário do que pensam, produz ainda mais prazer sexual.


3. Sexualidade e Saúde Matrimonial


Hoje o casamento é uma instituição fora de moda na cultura ocidental, se um jovem  no auge de seus vinte e poucos anos afirma que tem um casamento marcado é capaz de ser visto com espanto de tão estranha que é a idéia de um casamento tradicional. O mundo de hoje vê o casamento como uma instituição retrógrada e repressora. É fácil se deixar levar por tal pensamento, pelo fato de que é um mito corrente na cultura popular, porém, o casamento representa uma função de grande importância na construção de uma sociedade saudável. Na obra clássica The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, o historiador inglês do século XVIII Edward Gibbon afirmou que uma das causas da queda do Império Romano foi justamente a destituição dos laços familiares no Império. Além disso, pessoas casadas lidam melhor com doenças, têm rendimento financeiro melhor e adotam estilos de vida mais saudáveis; já um divorciado chega a ter até o dobro de chances de cometer suicídio do que uma pessoa normal além de correr os mesmos riscos de sofrer um acidente cardíaco do que alguém que fuma um maço de cigarros por dia.[4] Seria o casamento instituição tão ultrapassada como se diz? Presumo que não.


Grande parte dos casamentos terminam em divórcio, mas por que isso acontece? A saúde de um relacionamento homem-mulher está intrinsecamente ligada ao estado sexual do casal, tanto à vida sexual presente, afinal, quantos casamentos resistem a um caso de adultério? Mas não é apenas a vida presente que influencia a saúde do relacionamento de um casal, a vida passada também. Ainda que tal ideia seja prontamente rejeitada pela esmagadora maioria, sendo mais um exemplo de racionalização de conduta; racionalização essa que subjuga o que é evidente. Hoje quando um casal se junta, na maioria das vezes já tiveram inúmeros outros parceiros, muitos sem o menor compromisso. Isso afeta a confiança mútua e ameaça o relacionamento de um casal (vide Reich), qual homem [mulher] gosta de saber que sua esposa [marido] já foi de outro homem [mulher]? Ou pior, de outros[as]? Tal situação desperta um sentimento de ódio e revolta tão grande que abala a confiança no parceiro(a) e tira o brilho e o valor do amor. Muitos homens passam a desprezar ou não tratar com o devido respeito sua parceira ao saber de seus relacionamentos passados, não que isso seja correto, mas é natural e, às vezes, até mesmo após o homem tirar a virgindade de sua própria parceira ele acaba por menosprezá-la, pois o valor do sexo é anulado. Fica evidente que sexo é muito mais do que troca de fluídos físicos. Não há, na maioria das vezes, ligação entre o sexo extraconjugal e amor, sexo extraconjugal é carnal e destituído de valor. O homem não passa a amar mais sua mulher após consumar o ato, é mais comum acontecer o contrário, mas ainda assim muitas mulheres acreditam que estão sendo mais amadas ao se entregarem ao parceiro, mas não estão. Ainda que o homem ame a mulher de verdade, muitas vezes o impulso fala tão alto que impede de tratar sua amada com o devido respeito, além disso, as relações sexuais pré-matrimoniais podem atrapalhar o casamento de diversas maneiras, desvalorizando, atrasando e gerando outras insatisfações. Donald Joy escreve que iniciar a prática sexual prematuramente causa um curto-circuito no processo de criação de vínculos emocionais. Ele cita um estudo com 100.000 mulheres que liga a experiência sexual precoce com insatisfação nos seus casamentos atuais, infelicidade com o nível de intimidade sexual e um predomínio de baixa auto-estima (Christianity Today, 3 de outubro de 1986). Os psicólogos Henry Cloud e John Townsend afirmam que a abstinência pré-matrimonial ensina o casal a expressar amor sem ser por via sexual. Muitos casais que iniciam a vida sexual antes do casamento não aprendem a expressar amor sem ser por via sexual. Assim, quando, no casamento, a paixão passa o casamento termina, já que a sexualidade prematura pode impedir o conhecimento mais íntimo e profundo do casal, o conhecimento mútuo e a expressão de amor por vias mais sublimes do que a sexualidade. Por isso, a sexualidade extra-conjugal gera muito mais problemas do que os resolve e deve ser evitada.


4. Sexualidade e Saúde Social


No mundo pós-moderno é crença comum que a moral sexual privada diz respeito apenas ao individuo, não cabendo a sociedade a tarefa de coibir a imoralidade sexual, portanto, todo tipo de sexualidade deve ser permitida ao individuo: casamento homossexual, divórcio, aborto entre tantos outros desvios. É verdade que não cabe à sociedade decidir o que um indivíduo faz com o seu próprio corpo, mas à sociedade cabem duas responsabilidade (1) Instrução moral e (2) A criação de leis que coíbam comportamentos imorais[5] Moralidade está intrinsecamente ligada à prosperidade das grandes civilizações – o que não acontece quando as paixões estão afloradas. Junto com a ascensão das grandes civilizações antigas pode-se observar também uma elevada moralidade, as pessoas evitavam a imoralidade sexual e havia até leis para refreá-las, até que chegava ao auge da civilização e a moralidade era relaxada e por fim abolida e daí seguia o declínio da civilização como já vimos no caso do Império Romano. Vejamos alguns exemplos mais palpáveis: Quantas famílias e indivíduos não tem a vida destruída por causa de adultério e divórcio? Quantos delinquentes não surgiram a partir de famílias sem pai? Pense na maior praga dos nossos tempos, a AIDS, bilhões de dólares gastos na saúde pública poderiam ser gastos com coisas mais importantes se tão somente as pessoas seguissem a moralidade tradicional de abstinência extraconjugal. Isso sem falar nas inúmeras outras DSTs! E a única maneira 100% segura de prevenir tais doenças é a adoção da moralidade sexual tradicional. Para exemplificar isso, Theresa Crenshaw, M.D., foi membro da Comissão da presidência dos EUA para tratar da AIDS. Ela é ex-presidente da American Association of Sex Educators, Counselors, and Therapists [6] e uma fez a seguinte pergunta a 550 terapeutas familiares e de casal em Chicago: "Quantos de vocês recomendariam camisinhas para a prevenção da AIDS?" A maioria das mãos levantaram. Então ela perguntou quantos fariam sexo com um soropositivo usando uma camisinha. Nenhuma mão permaneceu levantada. Ela advertiu dizendo que, "É irresponsável aconselhar estudantes, clientes e pacientes a fazer o que vocês mesmos não fariam, pois eles podem morrer por isso"[7]. Estudos mostram que preservativos não são 100% confiáveis nem para prevenir DSTS e nem a gravidez[8]. A verdade é que a liberação sexual iniciada na década de 60 trouxe grande parte dos problemas da sociedade contemporânea.


Conclusão


Vimos que as pessoas que pautam sua sexualidade na moralidade tradicional são mais satisfeitas sexualmente, vivem casamentos mais felizes, e formam uma melhor sociedade e todos esses fatores estão intrinsecamente ligados, já que indivíduos desequilibrados formam casamentos e sociedades desequilibradas e casamentos e sociedades desequilibradas formam indivíduos desequilibrados. Argumentos a favor da sexualidade extraconjugal, na maioria das vezes, são pautados na paixão e não na razão, por isso o que mais ouvimos são argumentos falaciosos como “estamos no século XXI” ou “A moralidade tradicional é retrógrada”. Então, se a sexualidade como vivida hoje é nociva porque abraçar uma filosofia tão nociva ao bem individual e social? Não há motivo que não o desejo de saciar todos os nossos mais profundos anseios. Pra mim, todos os tabus existentes em relação ao sexo presentes nas mais diversas culturas (inclusive na cultura secular) indicam que o sexo é mais do que um ato físico, existindo mais coisas envolvidas na relação sexual do que uma simples transmissão de fluídos corporais, tal reducionismo não capta toda a dimensão da sexualidade humana, acredito que apenas o Cristianismo responde adequadamente ao nosso êxtase sexual – a representação da união entre Cristo e a Sua Igreja. Se Deus existe realmente e se todo o universo é obra Sua, jamais compreenderemos a existência humana sem levar em conta essa realidade. G. K. Chesterton comentando sobre essa nossa fixação com o sexo disse as seguintes palavras:


“Dou um exemplo dentre uma centena: não tenho pessoalmente nenhuma afinidade com aquele entusiasmo pela virgindade física, que certamente tem sido uma marca do cristianismo histórico. Mas quando olho não para mim mesmo, mas para o mundo, percebo que esse entusiasmo não é apenas uma marca do cristianismo, mas uma marca do paganismo, uma marca da natureza profundamente humana em muitas esferas. Os gregos sentiram a virgindade quando esculpiram Ártemis; os romanos, quando vestiram as vestais; os piores e mais loucos dos grandes dramaturgos elisabetanos agarraram-se à pureza literal de uma mulher como se isso fosse o pilar central do mundo. Acima de tudo, o mundo moderno (mesmo enquanto zomba da inocência sexual) atirou-se a uma generosa idolatria da inocência sexual – a grande adoração moderna das crianças. Pois qualquer um que ame as crianças concordará que a peculiar beleza delas é ferida por uma insinuação do sexo físico.”[9]


Enquanto a raça humana existir o problema do sexo não será resolvido através de nenhum tipo de liberação sexual ou banalização do sexo. Philip Yancey afirmou que quando uma sociedade perde a fé em seus deuses, ou em Deus, poderes inferiores surgem para tomar o seu lugar. Chesterton afirmou que “todo homem que bate à porta de um bordel está procurando por Deus”. Hoje não restam dúvidas de qual é o deus da sociedade contemporânea.




NOTAS:


¹Id., Two Encyclopedia Articles, em The Standard Edition of the Complete Psychological Works, vol. XVIII, p. 252 apud NICHOLI, Armand. Deus em questão: C.S.Lewis e Freud debatem Deus, Sexo, Amor e o Sentido da Vida. Minas Gerais: Ultimato, 2005, p. 145.



² The Sexual Enlightenment of Children, em The Standard Edition of Complete Psychological Works, vol. IX, p. 137 apud NICHOLI, Armand. Deus em questão: C.S.Lewis e Freud debatem Deus, Sexo, Amor e o Sentido da Vida. Minas Gerais: Ultimato, 2005, p. 145.


³ On The Universal Tendency to Debasement in the Sphere of Love em The Standard Edition of the Complete Psychological Works, vol. XI, p. 188 apud NICHOLI, Armand. Deus em questão: C.S.Lewis e Freud debatem Deus, Sexo, Amor e o Sentido da Vida. Minas Gerais: Ultimato, 2005, p. 145.


[4] YANCEY, Philip. Rumores de Outro Mundo: A Realidade Sobrenatural da Fé. São Paulo: Editora Vida, 2004, p. 128.


[5] Para uma análise da eficácia da legislação moral ver artigo Moralidade Legisladora de Michael Bauman em Ensaios Apologéticos de J.P.Moreland et al.


[6] Richard W. Smith, "Parent' s HIV Prevention Information Package:' n.d., p. 48. (Smith é “um professional da area da saúde com mais de 20 anos de experiência em epidemiologia de Doenças Sexualmente Transmissíveis e controle e prevenção de HIV” Ele mora em Trenton, NJ.)


[7] Theresa Crenshaw, M.D., "The Psychology of AIDS Prevention: Implementing Effective Strategies, "Transcript: National Conference on HIV, Washington, DC, November 1987, p. 4.l


[8] Ver artigo “Safe Sex and the Facts” de Raymond G. Bohlin, Ph.D em http://www.leaderu.com/orgs/probe/docs/safesex.html


[9] CHESTERTON, G.K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 256

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Deus e a Pedra Inamovível

Pode a força criar uma inconsistência lógica?


Uma das objeções mais comuns à coerência do teísmo cristão é o ataque à onipotência de Deus através do seguinte raciocínio:

Poderia Deus criar uma pedra pesada o suficiente para que ele não consiga carregar?

Essa pergunta joga o teísta cristão contra a parede deixando-o apenas com duas opções:

1. Deus não pode criar tal pedra e, portanto, não é onipotente.

ou,

2. Deus pode criar tal pedra e, portanto, não é onipotente.

Aparentemente, essas duas respostas são as únicas possíveis e qualquer uma delas invalida o conceito de um Deus onipotente. Mas será que tal objeção tem algum sentido lógico?

O problema com tal pergunta está na má compreensão do conceito de onipotência. Onipotência divina implica em fazer tudo que é logicamente possível. Exemplos:

1. Deus pode criar um círculo, pois isto é logicamente possível.

2. Mas criar um círculo quadrado é algo logicamente impossível, portanto, nem Deus pode fazê-lo.

3. Deus pode fazer o Fernando Gabeira se tornar o presidente do Brasil, pois isto é logicamente possível.

4. Mas Deus não pode fazer um número se tornar presidente do Brasil, pois isto é logicamente impossível.

5. E Deus não pode fazer 2+2=5, pois, evidentemente, tal "coisa" não tem o menor sentido.

Mas por que Deus não pode fazer algo que é logicamente impossível? Pois o logicamente impossível não é algo que possa ser criado através do poder, é simplesmente um "nada".

Onipotência não significa fazer qualquer coisa, mas fazer tudo aquilo que o poder pode fazer. E Deus possui todo poder que há e possa haver, mas nenhum poder pode criar uma contradição lógica. Quanto de poder seria preciso para fazer 2+2=5 ou para fazer um número se tornar presidente do Brasil? O poder de uma bomba atômica? Uma bomba de hidrogênio? 10 bombas? 300³²³? Com todo esse poder conseguiríamos criar uma inconsistência lógica? É evidente que não. O poder não tem nada a ver com isso. E quando afirmamos que Deus é onipotente, estamos falando de poder, ou seja, não tem nada a ver com isso.

A existência de um objeto imóvel (A pedra) e uma força irresistível (Deus), é logicamente incoerente, portanto, não é algo que possa existir no mesmo Universo. Ora, é impossível que exista um objeto imóvel, visto que existe um poder maior capaz de mover qualquer coisa. No máximo o objeto pode ser imóvel para nós, mas não é para um ser onipotente, cujo poder excede qualquer outra coisa, ou seja, o poder de uma pedra não pode ser maior do que o poder do onipotente. Portanto, Deus não pode criar uma pedra cuja existência é logicamente impossível.

O ateu que insiste em tal objeção é como se o nosso amigo Chaves pedisse a Deus que criasse uma "chorinfolinfola". Tal coisa não é apenas impossível de ser criada, é logicamente impossível de ser criada, pois simplesmente são palavras sem sentido sem a menor conexão com a realidade, exatamente como o problema lógico que estamos analisando.

Concluímos que essa questão é um problema lógico. É logicamente impossível a coexistência de uma pedra imóvel no Universo que existe um Ser Onipotente, e criar tal inconsistência lógica não é uma questão de poder. Se o problema tiver coerência lógica, é possível para Deus fazê-lo, caso contrário, nem Ele poderá fazê-lo, como é o caso do problema analisado.


Vitor Grando

sábado, 17 de janeiro de 2009

Quando Cosmovisões Colidem: C.S.Lewis e Freud - Parte II de II


Armand Nicholi


Série de palestras que deram origem ao livro acima.

Tradução: Vitor Grando
vitor.grnd@gmail.com
DespertaiBereanos.blogspot.com



Dr. Armand Nicholi é professor da Escola de Medicina de Harvard há 20 anos. Ele também ministra um curso popular na Universidade de Harvard sobre as cosmovisões contrastantes de Sigmund Freud e C.S.Lewis.

C.S. Lewis e Sigmund Freud: uma comparação de seus pensamentos e de suas visões sobre a vida, a dor e a morte.

Parte Dois

O seguinte artigo é adaptado de uma preleção do Dr. Armand Nicholi em uma reunião de alunos e professores promovido pela Dallas Christian Leadership na Southern Methodist University em 23 de Setembro de 1997. Na parte um , Nicholi explicou as visões de Freud sobre Deus e o Sofrimento.



Como alguém muda sua cosmovisão de uma para outra que é dramaticamente diferente? Com C.S. Lewis, essa transformação aconteceu através de um longo período de tempo. Ainda assim, sua conversão não foi menos dramática do que a de Paulo, Agostinho, Tolstoy, Pascal e muitos outros.

Essas são algumas das influências que pressionaram Lewis a mudar sua cosmovisão: Primeiro, Lewis gradativamente se tornou ciente de que a maioria dos grandes autores que ele vinha lendo por anos, eram crentes. Isso começou a fazê-lo pensar. Então, ao reler Eurípedes e Space, Time and Deity de Samuel Alexander, Lewis foi forçado a pensar sobre um profundo anseio dentro de si mesmo; ele reconheceu que era um tipo de anseio que ele experimentava periodicamente mas não conseguia entender bem. Ele chamou isso de "alegria" e escreveu bastante sobre isso. Ele percebeu que essa alegria não era um fim em si mesmo, mas um lembrete de algo ou alguém maior. Posteriormente, ele veio a crer que esse alguém é o Criador.

Segundo, Lewis ficou chocado durante uma conversa com um dos seus colegas professores de Oxford ao ouvir ele, um ateu declarado, afirmar que as evidências para a autenticidade dos evangelhos eram muito boas. As evidências eram persuasivas e as histórias dos Evangelhos pareciam ser verdadeiras. Lewis disse que é impossível compreender o impacto que isso teve nele vindo desse membro específico da faculdade.

Terceiro, ele leu O Homem Eterno de G. K. Chesterton e finalmente passou a crer em Deus. Ele escreve sobre isso de forma sucinta em Surpreendido pela Alegria:

Você tem que me imaginar sozinho naquele quarto em Magdalene, noite após noite, sentindo, a todo momento que minha mente se desviava do meu trabalho, a permanente, e persistente aproximação dEle, o qual eu não queria encontrar de maneira alguma. O que eu temia, finalmente, me sobreveio. No Trinity Term de 1929 eu finalmente desisti, e admiti que Deus era Deus, e me ajoelhei e orei: talvez, aquela noite, o mais relutante e desapontado convertido de toda Inglaterra.


Nesse momento Lewis era um teísta, não um Cristão. Ele se ocupou por muitos longos meses para entender a história do Evangelho e as doutrinas da redenção e ressurreição. Ele chegou a ler o Evangelho de João em Grego.
Então, no outono de 1931, ele jantou com dois membros da faculdade, J.R.R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis, e Hugo Dyson, um professor de literatura Inglesa. Depois do jantar, os três conversaram sobre a grande questão concernente a verdade dos Evangelhos e se fizeram a pergunta que um dos pupilos de Lewis se referiu como, "Será verdadeiro, será verdadeiro, esse conto mais impressionante de todos?" Eles conversaram e caminharam por horas por um caminho chamado Caminho de Addison. O relógio na Torre de Magdalene marcava três da manhã antes deles partirem. Essa conversa teve um profundo efeito em Lewis. Nove dias depois, Lewis viajou de moto com seu irmão. Ele escreveu, "Quando saímos eu não acreditava que Jesus Cristo era o Filho de Deus, e quando chegamos ao zoológico, eu já cria." Depois, Lewis escreveu: "Minha longa conversa com Dyson e Tolkien tiveram um grande impacto nisso."

A conversão de Lewis revolucionou sua vida. Ele se tornou um prolifíco autor, vendendo milhões de cópias de livros e influenciando muitas pessoas em universidades, especialmente nesse país e na Europa. Devido ao fato dele mesmo ter sido ateu pela primeira metade de sua vida, ele conhecia os argumentos muito bem. Por exemplo, Lewis concordava com Freud em crer que nós, de fato, possuímos um profundo desejo por Deus, mas ele discordava com a noção de Freud de que Deus, portanto, era nada mais do que produto da satisfação de um desejo. O que nós desejamos, Lewis apontou, não tem nada a ver com a questão de se Deus existe ou não. De acordo com a teoria de Freud, o desejo da não-existência de Deus seria tão forte quando o desejo de sua existência. Lewis, portanto, disse que tudo que isso nos diz é algo sobre nossos sentimentos, mas muito pouco sobre a existência ou inexistência de Deus. Então Lewis tendia a responder a maioria dos argumentos formulados por Freud.

A Questão da Mortalidade

Vamos mudar agora para nosso segundo assunto, a questão da mortalidade, a qual Freud se referiu como "o doloroso mistério da morte." Sócrates disse que o verdadeiro filósofo está sempre negando a morte e o ato de morrer. E, de fato, a maioria dos grandes escritores escreveram continuamente sobre isso.

Uma questão fundamental da nossa existência, uma que aprendemos ainda cedo na vida, é que nós estamos aqui na terra por um curto período. Nós somos as únicas criaturas na terra que podem prever nossa própria morte. Ao mesmo tempo, nós temos um profundo anseio pela permanência e um profundo e penetrante medo de sermos separados daqueles que nós amamos sendo abandonados. O medo de ser abandonado é o primeiro medo que experimentados quando crianças, um bebê chora quando sua mão sai do quarto. Pesquisas no Hospital Geral de Massachusetts mostraram que, em pacientes terminais, isso é o que eles mais temem, o medo de serem deixados sozinhos, de serem abandonados. É um medo temos em mente por toda nossa vida. Ainda assim não podemos escapar da cruel realidade de que cada respiro que damos, cada batida do coração, cada hora do dia nos aproxima ainda mais da hora em que deixaremos para trás aqueles que nós amamos.

Agora, como você processa essa informação? Como você entra em acordo com isso? Os psiquiatras dizem que essa questão é tão importante que você não pode realmente viver sua vida até que entre em um acordo com essa informação. Mas como você processa isso sem se encher de ansiedade ou e medo? Isso é o que Freud chamou de "o doloroso mistério da morte."

Freud e o Mistério da Morte.

Freud escreveu frequentemente sobre a morte. Eu mencionarei apenas uns poucos comentários que ele escreveu e como ele frequentemente se confrontava com sua própria morte.

Em 1932, numa obra chamada Totem e Tabu, Freud fez a interessante observação de que a morte não existe na nossa mente inconsciente: "Nosso inconsciente não acredita em sua própria morte. Ele se comporta como se fosse imortal. Nós não conseguimos imaginar nossa própria morte e quando tentamos fazê-lo nos apercebemos que somos, de fato, ainda espectadores, assim, ninguém crê em sua própria morte." Freud evitou dar qualquer interpretação filosófica dessa observação provocadora de que nas profundezas de nossas mentes, "todos nós estamos convencidos de nossa imortalidade."

Em O Futuro de uma Ilusão, Freud falou frequentemente sobre o doloroso mistério da dor. Ele terminou um ensaio com a curiosa sugestão de que se você quer suportar a vida você deve estar preparado para a morte. Ele pareceu perceber o que as pessoas na minha área tem falado durante anos, que nós não podemos realmente começar a viver nossas vidas até, de alguma forma, resolver o problema da nossa própria morte. E quando isso permanece não resolvido, gasta-se uma energia excessiva ou negando a morte ou se tornando obcecado com ela.

Freud não deixou dúvidas sobre como ele lidava com o problema. Ele se tornou obcecado com a morte. Seu colega Ernst Jones, seu biografo oficial, escreveu:

Pelo que sabemos da vida de Freud, ele parece ter sido possuído por pensamentos de morte. Mais do que qualquer grande homem que eu posso imaginar. Mesmo na época que estávamos nos conhecendo ele tinha o desconcertante hábito de partir dizendo "Adeus. Você talvez não me verá nunca mais." E então haviam os repetidos ataques do que ele chamava de "o pavor da morte". Ele odiava envelhecer. Mesmo quando ele tinha quarenta anos e a cada ano que se passava, os pensamentos de morte se tornavam cada vez mais despóticos. Ele disse uma vez que ele pensava sobre isso cada dia de sua vida, o que é bastante incomum.

Freud sonhava com a morte continuamente, e desde cedo em sua vida ele era obcecado em prever sua morte. O médico de Freud descreveu sua preocupação com a morte como supersticiosa e obsessiva. Freud estava certo que morreria aos 41, depois aos 51, depois 61, depois 62, depois aos 70. Ele entrava num hotel e se lhe fosse entregue o quarto 63. Ele saia e permanecia, por meses, convencido de que morreria aos 63 anos. Quando Freud perdeu um ente querido, ele se sentiu totalmente desesperançoso. Numa carta para Jones, ele escreveu, "Eu tinha a sua idade quando meu pai morreu e isso revolucionou minha alma. Você consegue se lembrar de um tempo tão cheio de morte quanto esse?" Quando tinha 64 anos, Freud perdeu uma jovem e linda filha, e ele se perguntava quando chegaria a sua hora. Ele desejava que fosse logo. Ele disse, "Eu não sei o que resta dizer depois de um evento paralizante como esse que não gera nenhuma dúvida posterior para quem não é crente" . Em outra carta ele escreveu, "Como um descrente, eu não tenho ninguém para acusar e não há lugar onde fazer uma queixa." Três anos depois o neto favorito de Freud morreu de tuberculose. Ele escreveu para um amigo, "Isso é difícil de suportar. Eu acho que jamais experimentei tamanha dor. Talvez minha própria doença contribua para isso. Eu trabalho por pura necessidade. Tudo perdeu o sentido para mim." E em outra carta ele afirmou, "Para mim, essa criança tomou o lugar de todos os meus filhos e netos já que eu não me importo com nenhum dos meus netos. Eu não encontro nenhuma alegria na vida."

Freud morreu aos 83 anos depois de uma batalhar contra um câncer que durou 16 anos. Seu livro favorito era o Fausto de Goethe, a história de Fausto fazendo um pacto com o diabo. Logo antes de Freud morrer, ele foi até a estante da livraria e pegou um livro de Balzac entitulado The Fatal Skin, no qual o personagem principal também faz um pacto com o diabo. O livro termina quando o herói não consegue controlar seu medo da morte e morre em estado de pânico. Estranho, como último livro. Depois de ler o lviro, Freud lembrou seu médico da promessa que ele havia feito de facilitar sua passagem quando o tempo tivesse chegado. Seu médico injetou dois centigramas de morfina que o fizeram dormir, então 12 horas depois ele injetou mais dois centigramas. Freud morreu às três da manhã do dia 12 de Setembro de 1939.

C.S. Lewis e a Morte

C.S. Lewis também escreveu sobre a mortalidade. Em O Problema do Sofrimento, Lewis descreve como, quando ateu, o problema do sofrimento humano, especialmente a capacidade humana de prever sua morte enquanto intensamente deseja permanecer, foi uma barreira para ele crer num Deus bom e todo-poderoso. Após sua conversão, ele entendeu a morte como um resultado da queda, uma transgressão das leis de Deus, e que a morte não era parte do plano original. (Talvez essa seja a razão de não termos símbolo para a morte no nosso inconsciente, e termos tamanha dificuldade em aceitar nossa mortalidade.)

Lewis fez referência frequente ao principio básico que a morte ilustra. Quando tinha 31 anos, antes de sua conversão, Lewis escreveu uma carta que afirmava, "Eu penso que eu entendo isso todo ano no Outono, assim como a simples natureza e a exuberante vida do mundo está morrendo, de que algo mais está acordando. Será que isso é significante? A morte do homem natural sempre significa o nascimento do espiritual; será que algo jamais dorme se não para que algo mais acorde?"

Então alguns anos depois numa outra carta, ele escreveu, "Pode alguém acreditar que não havia nada de persistente naquele motivo de sangue, morte, e ressurreição que aparece e todos os grandes mitos?" Ele estava começando a notar enquanto estudava toda a literatura antiga que mesmo nas culturas pagãs haviam essas estranhas histórias de um deus vindo à terra, morrendo, e ressuscitando. Ele se perguntava o que isso significava. E quando você olha para a natureza, de fato você vê coisas mesmo na vida vegetal onde uma semente cai na terra, morre e volta a vida na forma de uma planta ou uma grande árvore. Será que isso pode estar apontando para o que ele eventualmente chamava de "o grande milagre," a ressurreição? Ele disse, "Certamente a história da mente humana se encaixa muito melhor se você supor que tudo isso eram as primeiras sombras de algo cuja realidade veio em Cristo mesmo se nós não conseguirmos compreender isso completamente no presente."

Tragédia Pessoal

Em sua vida pessoal, C. S. Lewis se confrontou com a morte quando era criança. Aos nove anos ele perdeu, em poucos meses, seu avô paterno, um tio, e sua linda mãe. Numa autobiografia, Surpreendido pela Alegria, ele se lembra de sempre estar confinado no seu quarto, doente com dor de cabeça e de dente. Ele estava profundamente triste por sua mãe não ter ido vê-lo. Ele não conseguia compreender a razão disso


Isso era por que ela estava doente, também: e o que era estranho é que haviam diversos médicos no seu quarto, e vozes e gente indo e vindo por toda a casa, portas se abrindo e fechando. Parecia ter durado por horas. E então meu pai, às lágrimas, entrou no meu quarto e começou a tentar explicar para a minha mente apavorada coisas que eu jamais havia concebido antes.


Disseram a ele que sua mãe estava morrendo de câncer. Ele chamou isso de "toda a existência mudando em algo estranho e ameaçador, enquanto a casa se enchia de aromas estranhos e barulhos durante a madrugada e conversas murmuradoras sinistras."



"Meu pai jamais se recuperou dessa perda," ele observou. Talvez Lewis também não, no sentido de que ele foi enviado para um colégio interno, pois seu pai estava muito deprimido para cuidar dele. Numa idade muito precoce, ele perdeu pai e mãe.



Quando tinha 18 anos e era estudante em Oxford, Lewis se juntou ao exército. Ele se feriu durante manobras na França e, numa preleção em Oxford muitos anos depois, ele fez a interessante observação de que a guerra não torna a morte mais frequente, 100 por cento de nós morremos e essa percentagem não pode ser aumentada." Ele afirmou que a guerra coloca diversas mortes mais cedo e um dos aspectos positivos da guerra é que ela nos alerta de nossa mortalidade. Quando ele tinha 23 anos ele escreveu uma carta para seu pai sobre a morte de um velho professor, amigo de ambos. Ele afirmou:


Eu vi a morte com bastante frequência [na guerra] e mesmo assim não consigo deixar de vê-la como extraordinária e incrível. Uma pessoa real é tão real e tão obviamente viva e diferente do que o corpo morto. Não é possível crer que que aquele algo se tornou em nada, que alguém pode subitamente se transformar em nada.


Isso me lembra de dos meus estudantes de medicina que acabam de iniciar a prática médica; muito frequentemente eles me chamam para falar de suas experiências na residência. Uma das coisas que os estudantes mencionam com frequência é quão diferente uma pessoa é antes e depois da morte, quão diferente um corpo é de uma pessoa viva. Eles sentem que há algo que desaparece, que não está lá após a morte, e que nós somos muito mais do que nossos corpos. Lewis pareceu reconhecer isso quando ainda era muito jovem.


A Morte Importa


Em Anatomia de uma Dor, Lewis escreveu sobre a morte de sua esposa que era para ele tudo de importante. Como eu mencionei, muitos psiquiatras consideram esse livro um clássico no entendimento do luto. Lewis faz você sentir raiva, ressentimento, solidão, e medo. Sua raiva se torna palpável quando ele imagina que Deus é um "sádico cósmico, o imbecil odioso". Ele escreveu, "É difícil ter paciência com pessoas que dizem que não há morte ou que a morte não importa. A morte existe," ele continua, "e o que quer que importa. Poderíamos também dizer que o nascimento não importa."

Lewis nunca perdeu seu senso de humor. Quando ele tinha 59 anos de idade, uma mulher escreveu para ele e disse quão terrível era ter acabado de perder um amigo. Lewis escreveu de volta, "
Não há nada de desonroso em morrer. Eu conheço pessoas respeitáveis que morreram." Em outra carta, alguns anos depois, ele escreveu, "Que estado nós chegamos para não conseguir dizer, 'Estarei feliz quando Deus me chamar' sem ter medo disso, é mórbido. Apesar de tudo, o próprio São Paulo disse o mesmo. Porque não deveríamos pensar mais para a frente, no advento?"

Lewis concluiu que nós podemos apenas fazer três coisas em relação a morte: desejá-la, temê-la, ou ignorá-la. Ele afirmou que a terceira tentativa, a qual o mundo moderno chama de saúde, certamento é a mais dificil e precária de todas.


Lewis sofreu um ataque cárdiaco em 15 de Junho de 1963, e entrou em coma. Ele se recuperou apesar disso, e viveu as poucos meses seguintes calmo e feliz. Seu último biografo nota que antes de sua conversão, Lewis era extraordinariamente ansioso em relação a morte, mas após sua conversão ele parecia ter uma maravilhosa calma quanto a isso, até mesmo uma antecipação. Relatos de seus últimos dias atestam a calma e paz interior.

Durante esse tempo, ele escreveu para um amigo de longa dada afirmando, "Apesar de eu não estar infeliz de maneira alguma, eu não consigo deixar de lamentar o fato de ter revivido em Julho". Ele continuou, "Quero dizer, tendo sido levado tão suavemente até os portões, parece duro ter o portão fechado na cara e saber que todo o processo tem que recomeçar um dia. Pobre Lázaro." E para um outro amigo ele perguntou, "Deve-se honrar Lázaro ao invés de Estevão como primeiro mártir. Ter sido trazido de volto e ter que passar por tudo de novo deve ter sido bem difícil." E então ele disse, "Quando você morrer, me procure. É tudo tão divertido, solenemente divertido, não é?"

Duas semanas antes de sua morte, Lewis almoçou com um colega da faculdade. Ele disse que Lewis estava alerta de que o fim estava próximo e que jamais houve um homem tão bem preparado. Em 22 de Novembro de 1963, às 4 da tarde, o irmão de Lewis lhe trouxe seu chá da tarde. Ele observou que Lewis estava sonolento, mas calmo e alegre. As 5h30, ele estava morto.

Nós estudamos as cosmovisões contrastantes de duas mentes prolíficas. Uma visão alega que o universo é um acidente e que nossa existência é uma questão de pura chance. A outra vê o universo como resultado de um projeto e nossa existência como parte desse projeto. Um vê a morte como um mistério doloroso que causa grande ansiedade, desespero e amargura. O outro vê a morte como o passo final do projeto para o qual sua vida foi criada, um passo que pode ser experimentado com calma e até antecipação por causa do que Lewis chamou de "o grande milagre", a ressurreição.


 
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