sábado, 17 de janeiro de 2009

Quando Cosmovisões Colidem: C.S.Lewis e Freud - Parte II de II


Armand Nicholi


Série de palestras que deram origem ao livro acima.

Tradução: Vitor Grando
vitor.grnd@gmail.com
DespertaiBereanos.blogspot.com



Dr. Armand Nicholi é professor da Escola de Medicina de Harvard há 20 anos. Ele também ministra um curso popular na Universidade de Harvard sobre as cosmovisões contrastantes de Sigmund Freud e C.S.Lewis.

C.S. Lewis e Sigmund Freud: uma comparação de seus pensamentos e de suas visões sobre a vida, a dor e a morte.

Parte Dois

O seguinte artigo é adaptado de uma preleção do Dr. Armand Nicholi em uma reunião de alunos e professores promovido pela Dallas Christian Leadership na Southern Methodist University em 23 de Setembro de 1997. Na parte um , Nicholi explicou as visões de Freud sobre Deus e o Sofrimento.



Como alguém muda sua cosmovisão de uma para outra que é dramaticamente diferente? Com C.S. Lewis, essa transformação aconteceu através de um longo período de tempo. Ainda assim, sua conversão não foi menos dramática do que a de Paulo, Agostinho, Tolstoy, Pascal e muitos outros.

Essas são algumas das influências que pressionaram Lewis a mudar sua cosmovisão: Primeiro, Lewis gradativamente se tornou ciente de que a maioria dos grandes autores que ele vinha lendo por anos, eram crentes. Isso começou a fazê-lo pensar. Então, ao reler Eurípedes e Space, Time and Deity de Samuel Alexander, Lewis foi forçado a pensar sobre um profundo anseio dentro de si mesmo; ele reconheceu que era um tipo de anseio que ele experimentava periodicamente mas não conseguia entender bem. Ele chamou isso de "alegria" e escreveu bastante sobre isso. Ele percebeu que essa alegria não era um fim em si mesmo, mas um lembrete de algo ou alguém maior. Posteriormente, ele veio a crer que esse alguém é o Criador.

Segundo, Lewis ficou chocado durante uma conversa com um dos seus colegas professores de Oxford ao ouvir ele, um ateu declarado, afirmar que as evidências para a autenticidade dos evangelhos eram muito boas. As evidências eram persuasivas e as histórias dos Evangelhos pareciam ser verdadeiras. Lewis disse que é impossível compreender o impacto que isso teve nele vindo desse membro específico da faculdade.

Terceiro, ele leu O Homem Eterno de G. K. Chesterton e finalmente passou a crer em Deus. Ele escreve sobre isso de forma sucinta em Surpreendido pela Alegria:

Você tem que me imaginar sozinho naquele quarto em Magdalene, noite após noite, sentindo, a todo momento que minha mente se desviava do meu trabalho, a permanente, e persistente aproximação dEle, o qual eu não queria encontrar de maneira alguma. O que eu temia, finalmente, me sobreveio. No Trinity Term de 1929 eu finalmente desisti, e admiti que Deus era Deus, e me ajoelhei e orei: talvez, aquela noite, o mais relutante e desapontado convertido de toda Inglaterra.


Nesse momento Lewis era um teísta, não um Cristão. Ele se ocupou por muitos longos meses para entender a história do Evangelho e as doutrinas da redenção e ressurreição. Ele chegou a ler o Evangelho de João em Grego.
Então, no outono de 1931, ele jantou com dois membros da faculdade, J.R.R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis, e Hugo Dyson, um professor de literatura Inglesa. Depois do jantar, os três conversaram sobre a grande questão concernente a verdade dos Evangelhos e se fizeram a pergunta que um dos pupilos de Lewis se referiu como, "Será verdadeiro, será verdadeiro, esse conto mais impressionante de todos?" Eles conversaram e caminharam por horas por um caminho chamado Caminho de Addison. O relógio na Torre de Magdalene marcava três da manhã antes deles partirem. Essa conversa teve um profundo efeito em Lewis. Nove dias depois, Lewis viajou de moto com seu irmão. Ele escreveu, "Quando saímos eu não acreditava que Jesus Cristo era o Filho de Deus, e quando chegamos ao zoológico, eu já cria." Depois, Lewis escreveu: "Minha longa conversa com Dyson e Tolkien tiveram um grande impacto nisso."

A conversão de Lewis revolucionou sua vida. Ele se tornou um prolifíco autor, vendendo milhões de cópias de livros e influenciando muitas pessoas em universidades, especialmente nesse país e na Europa. Devido ao fato dele mesmo ter sido ateu pela primeira metade de sua vida, ele conhecia os argumentos muito bem. Por exemplo, Lewis concordava com Freud em crer que nós, de fato, possuímos um profundo desejo por Deus, mas ele discordava com a noção de Freud de que Deus, portanto, era nada mais do que produto da satisfação de um desejo. O que nós desejamos, Lewis apontou, não tem nada a ver com a questão de se Deus existe ou não. De acordo com a teoria de Freud, o desejo da não-existência de Deus seria tão forte quando o desejo de sua existência. Lewis, portanto, disse que tudo que isso nos diz é algo sobre nossos sentimentos, mas muito pouco sobre a existência ou inexistência de Deus. Então Lewis tendia a responder a maioria dos argumentos formulados por Freud.

A Questão da Mortalidade

Vamos mudar agora para nosso segundo assunto, a questão da mortalidade, a qual Freud se referiu como "o doloroso mistério da morte." Sócrates disse que o verdadeiro filósofo está sempre negando a morte e o ato de morrer. E, de fato, a maioria dos grandes escritores escreveram continuamente sobre isso.

Uma questão fundamental da nossa existência, uma que aprendemos ainda cedo na vida, é que nós estamos aqui na terra por um curto período. Nós somos as únicas criaturas na terra que podem prever nossa própria morte. Ao mesmo tempo, nós temos um profundo anseio pela permanência e um profundo e penetrante medo de sermos separados daqueles que nós amamos sendo abandonados. O medo de ser abandonado é o primeiro medo que experimentados quando crianças, um bebê chora quando sua mão sai do quarto. Pesquisas no Hospital Geral de Massachusetts mostraram que, em pacientes terminais, isso é o que eles mais temem, o medo de serem deixados sozinhos, de serem abandonados. É um medo temos em mente por toda nossa vida. Ainda assim não podemos escapar da cruel realidade de que cada respiro que damos, cada batida do coração, cada hora do dia nos aproxima ainda mais da hora em que deixaremos para trás aqueles que nós amamos.

Agora, como você processa essa informação? Como você entra em acordo com isso? Os psiquiatras dizem que essa questão é tão importante que você não pode realmente viver sua vida até que entre em um acordo com essa informação. Mas como você processa isso sem se encher de ansiedade ou e medo? Isso é o que Freud chamou de "o doloroso mistério da morte."

Freud e o Mistério da Morte.

Freud escreveu frequentemente sobre a morte. Eu mencionarei apenas uns poucos comentários que ele escreveu e como ele frequentemente se confrontava com sua própria morte.

Em 1932, numa obra chamada Totem e Tabu, Freud fez a interessante observação de que a morte não existe na nossa mente inconsciente: "Nosso inconsciente não acredita em sua própria morte. Ele se comporta como se fosse imortal. Nós não conseguimos imaginar nossa própria morte e quando tentamos fazê-lo nos apercebemos que somos, de fato, ainda espectadores, assim, ninguém crê em sua própria morte." Freud evitou dar qualquer interpretação filosófica dessa observação provocadora de que nas profundezas de nossas mentes, "todos nós estamos convencidos de nossa imortalidade."

Em O Futuro de uma Ilusão, Freud falou frequentemente sobre o doloroso mistério da dor. Ele terminou um ensaio com a curiosa sugestão de que se você quer suportar a vida você deve estar preparado para a morte. Ele pareceu perceber o que as pessoas na minha área tem falado durante anos, que nós não podemos realmente começar a viver nossas vidas até, de alguma forma, resolver o problema da nossa própria morte. E quando isso permanece não resolvido, gasta-se uma energia excessiva ou negando a morte ou se tornando obcecado com ela.

Freud não deixou dúvidas sobre como ele lidava com o problema. Ele se tornou obcecado com a morte. Seu colega Ernst Jones, seu biografo oficial, escreveu:

Pelo que sabemos da vida de Freud, ele parece ter sido possuído por pensamentos de morte. Mais do que qualquer grande homem que eu posso imaginar. Mesmo na época que estávamos nos conhecendo ele tinha o desconcertante hábito de partir dizendo "Adeus. Você talvez não me verá nunca mais." E então haviam os repetidos ataques do que ele chamava de "o pavor da morte". Ele odiava envelhecer. Mesmo quando ele tinha quarenta anos e a cada ano que se passava, os pensamentos de morte se tornavam cada vez mais despóticos. Ele disse uma vez que ele pensava sobre isso cada dia de sua vida, o que é bastante incomum.

Freud sonhava com a morte continuamente, e desde cedo em sua vida ele era obcecado em prever sua morte. O médico de Freud descreveu sua preocupação com a morte como supersticiosa e obsessiva. Freud estava certo que morreria aos 41, depois aos 51, depois 61, depois 62, depois aos 70. Ele entrava num hotel e se lhe fosse entregue o quarto 63. Ele saia e permanecia, por meses, convencido de que morreria aos 63 anos. Quando Freud perdeu um ente querido, ele se sentiu totalmente desesperançoso. Numa carta para Jones, ele escreveu, "Eu tinha a sua idade quando meu pai morreu e isso revolucionou minha alma. Você consegue se lembrar de um tempo tão cheio de morte quanto esse?" Quando tinha 64 anos, Freud perdeu uma jovem e linda filha, e ele se perguntava quando chegaria a sua hora. Ele desejava que fosse logo. Ele disse, "Eu não sei o que resta dizer depois de um evento paralizante como esse que não gera nenhuma dúvida posterior para quem não é crente" . Em outra carta ele escreveu, "Como um descrente, eu não tenho ninguém para acusar e não há lugar onde fazer uma queixa." Três anos depois o neto favorito de Freud morreu de tuberculose. Ele escreveu para um amigo, "Isso é difícil de suportar. Eu acho que jamais experimentei tamanha dor. Talvez minha própria doença contribua para isso. Eu trabalho por pura necessidade. Tudo perdeu o sentido para mim." E em outra carta ele afirmou, "Para mim, essa criança tomou o lugar de todos os meus filhos e netos já que eu não me importo com nenhum dos meus netos. Eu não encontro nenhuma alegria na vida."

Freud morreu aos 83 anos depois de uma batalhar contra um câncer que durou 16 anos. Seu livro favorito era o Fausto de Goethe, a história de Fausto fazendo um pacto com o diabo. Logo antes de Freud morrer, ele foi até a estante da livraria e pegou um livro de Balzac entitulado The Fatal Skin, no qual o personagem principal também faz um pacto com o diabo. O livro termina quando o herói não consegue controlar seu medo da morte e morre em estado de pânico. Estranho, como último livro. Depois de ler o lviro, Freud lembrou seu médico da promessa que ele havia feito de facilitar sua passagem quando o tempo tivesse chegado. Seu médico injetou dois centigramas de morfina que o fizeram dormir, então 12 horas depois ele injetou mais dois centigramas. Freud morreu às três da manhã do dia 12 de Setembro de 1939.

C.S. Lewis e a Morte

C.S. Lewis também escreveu sobre a mortalidade. Em O Problema do Sofrimento, Lewis descreve como, quando ateu, o problema do sofrimento humano, especialmente a capacidade humana de prever sua morte enquanto intensamente deseja permanecer, foi uma barreira para ele crer num Deus bom e todo-poderoso. Após sua conversão, ele entendeu a morte como um resultado da queda, uma transgressão das leis de Deus, e que a morte não era parte do plano original. (Talvez essa seja a razão de não termos símbolo para a morte no nosso inconsciente, e termos tamanha dificuldade em aceitar nossa mortalidade.)

Lewis fez referência frequente ao principio básico que a morte ilustra. Quando tinha 31 anos, antes de sua conversão, Lewis escreveu uma carta que afirmava, "Eu penso que eu entendo isso todo ano no Outono, assim como a simples natureza e a exuberante vida do mundo está morrendo, de que algo mais está acordando. Será que isso é significante? A morte do homem natural sempre significa o nascimento do espiritual; será que algo jamais dorme se não para que algo mais acorde?"

Então alguns anos depois numa outra carta, ele escreveu, "Pode alguém acreditar que não havia nada de persistente naquele motivo de sangue, morte, e ressurreição que aparece e todos os grandes mitos?" Ele estava começando a notar enquanto estudava toda a literatura antiga que mesmo nas culturas pagãs haviam essas estranhas histórias de um deus vindo à terra, morrendo, e ressuscitando. Ele se perguntava o que isso significava. E quando você olha para a natureza, de fato você vê coisas mesmo na vida vegetal onde uma semente cai na terra, morre e volta a vida na forma de uma planta ou uma grande árvore. Será que isso pode estar apontando para o que ele eventualmente chamava de "o grande milagre," a ressurreição? Ele disse, "Certamente a história da mente humana se encaixa muito melhor se você supor que tudo isso eram as primeiras sombras de algo cuja realidade veio em Cristo mesmo se nós não conseguirmos compreender isso completamente no presente."

Tragédia Pessoal

Em sua vida pessoal, C. S. Lewis se confrontou com a morte quando era criança. Aos nove anos ele perdeu, em poucos meses, seu avô paterno, um tio, e sua linda mãe. Numa autobiografia, Surpreendido pela Alegria, ele se lembra de sempre estar confinado no seu quarto, doente com dor de cabeça e de dente. Ele estava profundamente triste por sua mãe não ter ido vê-lo. Ele não conseguia compreender a razão disso


Isso era por que ela estava doente, também: e o que era estranho é que haviam diversos médicos no seu quarto, e vozes e gente indo e vindo por toda a casa, portas se abrindo e fechando. Parecia ter durado por horas. E então meu pai, às lágrimas, entrou no meu quarto e começou a tentar explicar para a minha mente apavorada coisas que eu jamais havia concebido antes.


Disseram a ele que sua mãe estava morrendo de câncer. Ele chamou isso de "toda a existência mudando em algo estranho e ameaçador, enquanto a casa se enchia de aromas estranhos e barulhos durante a madrugada e conversas murmuradoras sinistras."



"Meu pai jamais se recuperou dessa perda," ele observou. Talvez Lewis também não, no sentido de que ele foi enviado para um colégio interno, pois seu pai estava muito deprimido para cuidar dele. Numa idade muito precoce, ele perdeu pai e mãe.



Quando tinha 18 anos e era estudante em Oxford, Lewis se juntou ao exército. Ele se feriu durante manobras na França e, numa preleção em Oxford muitos anos depois, ele fez a interessante observação de que a guerra não torna a morte mais frequente, 100 por cento de nós morremos e essa percentagem não pode ser aumentada." Ele afirmou que a guerra coloca diversas mortes mais cedo e um dos aspectos positivos da guerra é que ela nos alerta de nossa mortalidade. Quando ele tinha 23 anos ele escreveu uma carta para seu pai sobre a morte de um velho professor, amigo de ambos. Ele afirmou:


Eu vi a morte com bastante frequência [na guerra] e mesmo assim não consigo deixar de vê-la como extraordinária e incrível. Uma pessoa real é tão real e tão obviamente viva e diferente do que o corpo morto. Não é possível crer que que aquele algo se tornou em nada, que alguém pode subitamente se transformar em nada.


Isso me lembra de dos meus estudantes de medicina que acabam de iniciar a prática médica; muito frequentemente eles me chamam para falar de suas experiências na residência. Uma das coisas que os estudantes mencionam com frequência é quão diferente uma pessoa é antes e depois da morte, quão diferente um corpo é de uma pessoa viva. Eles sentem que há algo que desaparece, que não está lá após a morte, e que nós somos muito mais do que nossos corpos. Lewis pareceu reconhecer isso quando ainda era muito jovem.


A Morte Importa


Em Anatomia de uma Dor, Lewis escreveu sobre a morte de sua esposa que era para ele tudo de importante. Como eu mencionei, muitos psiquiatras consideram esse livro um clássico no entendimento do luto. Lewis faz você sentir raiva, ressentimento, solidão, e medo. Sua raiva se torna palpável quando ele imagina que Deus é um "sádico cósmico, o imbecil odioso". Ele escreveu, "É difícil ter paciência com pessoas que dizem que não há morte ou que a morte não importa. A morte existe," ele continua, "e o que quer que importa. Poderíamos também dizer que o nascimento não importa."

Lewis nunca perdeu seu senso de humor. Quando ele tinha 59 anos de idade, uma mulher escreveu para ele e disse quão terrível era ter acabado de perder um amigo. Lewis escreveu de volta, "
Não há nada de desonroso em morrer. Eu conheço pessoas respeitáveis que morreram." Em outra carta, alguns anos depois, ele escreveu, "Que estado nós chegamos para não conseguir dizer, 'Estarei feliz quando Deus me chamar' sem ter medo disso, é mórbido. Apesar de tudo, o próprio São Paulo disse o mesmo. Porque não deveríamos pensar mais para a frente, no advento?"

Lewis concluiu que nós podemos apenas fazer três coisas em relação a morte: desejá-la, temê-la, ou ignorá-la. Ele afirmou que a terceira tentativa, a qual o mundo moderno chama de saúde, certamento é a mais dificil e precária de todas.


Lewis sofreu um ataque cárdiaco em 15 de Junho de 1963, e entrou em coma. Ele se recuperou apesar disso, e viveu as poucos meses seguintes calmo e feliz. Seu último biografo nota que antes de sua conversão, Lewis era extraordinariamente ansioso em relação a morte, mas após sua conversão ele parecia ter uma maravilhosa calma quanto a isso, até mesmo uma antecipação. Relatos de seus últimos dias atestam a calma e paz interior.

Durante esse tempo, ele escreveu para um amigo de longa dada afirmando, "Apesar de eu não estar infeliz de maneira alguma, eu não consigo deixar de lamentar o fato de ter revivido em Julho". Ele continuou, "Quero dizer, tendo sido levado tão suavemente até os portões, parece duro ter o portão fechado na cara e saber que todo o processo tem que recomeçar um dia. Pobre Lázaro." E para um outro amigo ele perguntou, "Deve-se honrar Lázaro ao invés de Estevão como primeiro mártir. Ter sido trazido de volto e ter que passar por tudo de novo deve ter sido bem difícil." E então ele disse, "Quando você morrer, me procure. É tudo tão divertido, solenemente divertido, não é?"

Duas semanas antes de sua morte, Lewis almoçou com um colega da faculdade. Ele disse que Lewis estava alerta de que o fim estava próximo e que jamais houve um homem tão bem preparado. Em 22 de Novembro de 1963, às 4 da tarde, o irmão de Lewis lhe trouxe seu chá da tarde. Ele observou que Lewis estava sonolento, mas calmo e alegre. As 5h30, ele estava morto.

Nós estudamos as cosmovisões contrastantes de duas mentes prolíficas. Uma visão alega que o universo é um acidente e que nossa existência é uma questão de pura chance. A outra vê o universo como resultado de um projeto e nossa existência como parte desse projeto. Um vê a morte como um mistério doloroso que causa grande ansiedade, desespero e amargura. O outro vê a morte como o passo final do projeto para o qual sua vida foi criada, um passo que pode ser experimentado com calma e até antecipação por causa do que Lewis chamou de "o grande milagre", a ressurreição.


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Livros Lidos de 2008

E que venham os livros de 2009!



Para Entender a Idade Média - G.K. Chesterton


E por que homens que não conhecem a História... pensam que a conhecem?


É inteiramente razoável que os homens prósperos do nosso tempo não saibam História. Se a conhecessem, teriam de conhecer a história muito pouco edificante de como se tornaram prósperos...

É inteiramente razoável, digo, que não saibam História: mas por que raios pensam que sabem? Aqui está uma opinião, tomada a esmo do livro de um dos mais cultos dentre os nossos jovens críticos, obra muito bem escrita e inteiramente digna de confiança – quando trata do seu próprio tema, que é um tema moderno. Diz esse escritor: “Na Idade Média, houve pouco ou nenhum avanço social ou político” até a Reforma e a Renascença.

Ora, eu poderia igualmente bem afirmar que, no século XIX, houve pouco avanço na ciência e na técnica até a vinda de William Morris (1), e depois justificar essa afirmação dizendo que não tenho nenhum interesse pessoal por teares a vapor ou águas-vivas – o que certamente é o caso. Porque isto é tudo o que o escritor realmente quis dizer: que não tem nenhum interesse pessoal por arautos ou abades mitrados. Tudo isso está muito bem; mas por que, ao escrever sobre coisas que não existiam na Idade Média, esse autor sente a necessidade de dogmatizar sobre um assunto de que evidentemente nunca ouviu falar? E sobre o qual, apesar de tudo, talvez ainda se pudesse contar uma História muito interessante?

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(1) William Morris (1834-1896): Artista e escritor inglês, contribuiu com grande sucesso para a valorização e o aprimoramento das mais variadas formas de arte (desde a decoração até a arquitetura e a iluminura), chegando mesmo a fundar empresas bem-sucedidas nesse ramo (entre elas, a tipografia Kelmscott Press, em 1890). Ao fim da vida, deixou de lado os seus êxitos artísticos e empresariais para dedicar-se a difusão de idéias socialistas.
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Pouco antes da conquista pelos normandos (2), países como o nosso apresentavam um feudalismo ainda incipiente e completamente pulverizado, sulcado por contínuas ondas de bárbaros, bárbaros que nunca tinham montado um cavalo. Praticamente não havia casa de pedra ou de tijolo na Inglaterra; quase não havia estradas, apenas sendas batidas; praticamente não havia lei, apenas costumes locais. Essa era a Idade das Trevas, da qual surgiria a Idade Média.
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(2) A conquista da Inglaterra pelos normandos comandados por Guilherme o conquistador ocorreu no ano de 1066.
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Mas tomemos agora a Baixa Idade Média, duzentos anos depois da conquista normanda e praticamente outro tanto antes do início da Reforma. As grandes cidades surgiram; os cidadãos são privilegiados e importantes; os trabalhadores organizaram-se em Corporações de Ofício livres e responsáveis; os Parlamentos são poderosos e litigam com os próprios reis; a escravidão desapareceu quase por completo; abriram-se as grandes Universidades, que ministram esse programa de ensino tão admirado por Huxley (3); repúblicas tão orgulhosas e patrióticas como as dos antigos pagãos erguem-se como estátuas de mármore ao longo da costa mediterrânea; e por todo o norte os homens construíram igrejas tão grandiosas que os homens talvez nunca mais as igualem. E isso – que, na sua maior parte, foi realizado mais propriamente não em dois, mas em um século –, é a isso é o que o nosso crítico chama “pouco ou nenhum avanço social ou político”. Praticamente não há instituição moderna importante que tenha influenciado a sua vida – da escola em que estudou ao Parlamento que o governa –, que não teve os seus principais avanços na Idade Média.
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(3) Thomas Henry Huxley (1825-1895): biólogo inglês, amigo de Charles Darwin e um dos maiores defensores e divulgadores da teoria evolucionista, o que fez especialmente através do seu livro Man´s Place in Nature (“O lugar do homem na natureza”, 1863), em que pela primeira vez os princípios do evolucionismo são aplicados ao homem.
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Se alguém pensa que escrevo isso por pedantismo, espero poder mostrar-lhe em um momento que tenho um objetivo mais humilde e mais prático. Quero considerar a natureza da ignorância, e começo por dizer que, em qualquer sentido escolar e acadêmico, sou eu mesmo muito ignorante. Assim como dizemos de um homem como Lord Brougham (4) que tinha um grande conhecimento geral, eu diria que tenho uma grande ignorância geral.
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(4) Henry Peter, Lord Brougham (1778-1868): político britânico nascido em Edimburgo. Suas numerosas obras, às vezes contraditórias entre si, cobriram quase todos os ramos do conhecimento da época, tendo ele escrito sobre Filosofia, Teologia, Economia e até Matemática. Destacou-se também por ter fundado revistas e sociedades de difusão do conhecimento e por ter realizado reformas no Parlamento britânico.
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Só que este é exatamente o ponto a que pretendia chegar. É um conhecimento geral e uma ignorância geral: sei pouco de História, mas sei um pouco de quase toda a História. Não sei muito, digamos, sobre Martinho Lutero e sua Reforma, mas sei que ela fez uma diferença enorme; ora, não saber que o rápido progresso dos séculos XII e XIII fez uma diferença enorme é pelo menos tão extraordinário como nunca ter ouvido falar de Martinho Lutero. Também não estou muito bem informado sobre os budistas, mas sei que se interessam por filosofia; não saber que os budistas se interessam por filosofia, acredite em mim, seria tão chocante como não saber que os medievais se interessavam pela experimentação e pelo progresso políticos.

Da mesma forma, não sei muito sobre Frederico o Grande. Na minha infância, a enorme coleção de volumes de Carlyle sobre o assunto inspirava-me medo: parecia haver tantas coisas a conhecer! No entanto, apesar desses receios, eu seria perfeitamente capaz de adivinhar, com uma razoável probabilidade de acerto, o tipo de assunto que esses volumes continham. Por exemplo, eu arriscaria (penso que não incorretamente) que os volumes deviam conter a palavra “Prússia” em um ou mais lugares; que, de tempos a tempos, se falaria de guerra; que se faria alguma menção de tratados e fronteiras; que a palavra “Silésia” poderia ser encontrada caso se procurasse diligentemente, bem como os nomes de Maria Teresa e Voltaire; que em algum lugar de todos aqueles volumes, o seu grande autor diria se Frederico o Grande tivera um pai, se chegara a casar-se, se possuíra grandes amigos, se tivera algum hobby ou aficção literária de qualquer tipo, se havia morrido no campo de batalha ou na cama, e assim por diante. Se eu tivesse reunido coragem suficiente para abrir um daqueles volumes, provavelmente teria encontrado alguma coisa, ao menos nessas linhas gerais.

Agora, troque a imagem; imagine o jornalista ou homem de letras comum, jovem e bem educado, recém-saído de uma escola pública ou faculdade, parado diante de uma coleção ainda maior de livros ainda maiores das bibliotecas da Idade Média – digamos, todos os volumes de São Tomás de Aquino. Digo-lhe que, de nove casos em dez, aquele jovem bem-educado não tem a menor noção do que iria encontrar naqueles volumes encadernados em couro. Pensa que irá encontrar discussões sobre as capacidades dos anjos de se equilibrarem sobre pontas de agulhas, e talvez o fizesse. Mas afirmo que ele não pensa – nem de longe – que irá encontrar um professor universitário a discutir quase todas as coisas que Herbert Spencer discutiu: política, sociologia, formas de governo, monarquia, liberdade, anarquia, propriedade privada, comunismo, e todas as variadas idéias que, no nosso tempo, se dedicam a brigar em nome do futuro “socialismo”.

Igualmente, não sei muito sobre Maomé ou o maometanismo. Não levo o Alcorão para ler na cama toda noite. Mas, se em determinada noite o fizesse, há pelo menos um sentido em que sei o que não encontrarei nele. Suponho que a obra não transbordará de fortes encorajamentos ao culto dos ídolos; que não se cantarão ali em alta voz os louvores do politeísmo; que o caráter de Maomé não será submetido a nada que se parece com o ódio e o ridículo; e que a grande doutrina moderna da irrelevância da religião não será enfatizada sem necessidade.

Mas troque novamente a imagem, e imagine o homem moderno (o pobre homem moderno) que tivesse levado um volume de teologia medieval para a cama. Ele esperaria encontrar ali um pessimismo que não há, um fatalismo que não há, um amor à barbárie que não há, um desprezo pela razão que não há.

Aliás, seria na verdade muito bom que fizesse a experiência. Far-lhe-á bem de uma forma ou de outra: ou o fará dormir – ou o fará acordar.

 
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